Um empresário argentino, testemunha-chave no julgamento sobre corrupção da FIFA, afirmou nesta quarta-feira (15) que as empresas TV Globo, do Brasil; Torneos, da Argentina; e Televisa, do México, pagaram propinas milionárias à federação em troca de direitos de transmissão dos Mundiais de 2026 e 2030.
O argentino Alejandro Burzaco, ex-presidente da Torneos y Competencias, assegurou na corte federal do Brooklyn que sua empresa e seus sócios, Televisa e TV Globo, pagaram ao ex-chefe do futebol argentino e ex-vice-presidente da FIFA, Julio Grondona - falecido em 2014 -, propina de 15 milhões de dólares em troca dos direitos de transmissão, internet e rádio das Copas do Mundo de 2026 e 2030.
O depoimento de Burzaco, em seu segundo dia, ocorre após o suicídio, em Buenos Aires, de um ex-funcionário da associação de futebol, implicado pela testemunha na rede de corrupção.
Burzaco, também acusado de corrupção no âmbito do escândalo da FIFA, tem um pacto de colaboração com o governo americano para reduzir sua pena e é testemunha-chave da promotoria no julgamento de três poderosos ex-hierarcas do futebol sul-americano, que alegam inocência: o ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) José Maria Marín, o ex-presidente da Conmenol, o paraguaio Juan Ángel Napout, e o ex-dirigente do futebol peruano Manuel Burga.
Quinze milhões
"Fizemos um acordo entre os três sócios (Torneos, Televisa e TV Globo) para repartir a carga de pagar 15 milhões em propinas a Julio Grondona", disse Burzaco no julgamento.
"O dinheiro para Grondona acabou em uma subconta no banco suíço Julius Baer", acrescentou.
Graças a este acordo, a FIFA outorgaria à TV Globo os direitos exclusivos dos jogos dos dois mundiais no Brasil, enquanto a Televisa e a Torneos, associados, os teriam para o restante da América Latina, afirmou.
Burzaco garante que, além de sua empresa, as companhias TV Globo, Televisa, MediaPro da Espanha, Full Play, Traffic e Fox Sports pagavam subornos em troca de contratos de torneios de futebol da região.
Altos executivos dos canais se reuniam regularmente com dirigentes do futebol para negociar os subornos, segundo Burzaco.
O argentino afirmou, ainda, que a Datisa - joint venture entre Torneos y Competencias, Traffic e Full Play para reter os direitos da Copa América entre 2015 e 2023 - acordou em março de 2013 pagar US$ 10 milhões em propinas a Jeffrey Webb, presidente da Concacaf, e a Enrique Sanz, seu secretário-geral, pela realização da Copa América Centenário em 2016 nos Estados Unidos.
Burzaco disse ter se reunido com Sanz em Zurique em março de 2013 para coordenar "o calendário de pagamentos desses 10 milhões de dólares".
Segundo o empresário argentino, a Datisa também acordou o pagamento de propinas milionárias à cúpula da Conmebol pela Copa América: subornos de 15 milhões em cada edição das Copas de 2015, 2019, 2023 e a Copa Centenário de 2016 para os então 10 principais hierarcas da Conmebol, e um extra, de uma única vez, de 16,5 milhões de dólares.
Deste "extra", três milhões de dólares eram para distribuir entre Marin e o atual presidente da CBF, Marco Polo del Nero, um milhão para Napout e outro para Burga, afirmou.
Burzaco disse que estes três milhões para os dois brasileiros foram pagos.
A Conmebol rescindiu na quinta-feira passada seu contrato com a Datisa pelos direitos de TV para as Copas Américas de 2019 e 2023, ao tomar conhecimento das confissões de atos de corrupção, segundo um comunicado publicado pelo organismo do futebol sul-americano.
A Fox Sports e o Grupo Globo negaram as acusações após as declarações de Burzaco na terça-feira, em seu primeiro dia de depoimento.
"Qualquer insinuação em relação a que a Fox teve conhecimento ou aprovou subornos é absolutamente falsa", reagiu a Fox Sports em sua conta no Twitter do Chile.
Em termos similares, segundo veículos brasileiros, o Grupo Globo afirmou "veementemente que não pratica nem tolera qualquer pagamento de propina. Esclarece que, após mais de dois anos de investigação, não é parte nos processos que correm na justiça americana".
Suicídio
Jorge Delhon se suicidou na terça-feira em um subúrbio de Buenos Aires, após ser mencionado por Burzaco uma única vez em seu primeiro testemunho de sete horas, quando relatou o pagamento de propinas milionárias a dezenas de pessoas, incluindo a antiga cúpula da Conmebol, em troca de contratos para reter direitos de transmissão e marketing de torneios de futebol nacionais e regionais.
Na terça-feira, Delhon tirou a própria vida atirando-se debaixo de um trem em um subúrbio de Buenos Aires.
Consultado na terça-feira pelo promotor Sam Nitze se pagou propinas a funcionários do governo argentino, Burzaco disse que do fim de 2011 ao fim de 2014, "pagamos subornos na Torneos a dois funcionários que gerenciavam o programa Futebol para Todos", um programa de TV patrocinado pelo governo de Cristina Kirchner (2007-2015), que tinha os direitos de difusão do futebol na Argentina.
Jorge Delhon, advogado do programa, e seu coordenador-geral, Pablo Paladino, receberam milhões de dólares, informou.
Burzaco contou na corte que em 2009, a Associação do Futebol Argentino (AFA), junto ao governo de Kirchner, encerrou unilateralmente, "de um dia para outro", os contratos mais importantes que sua empresa, a Torneos, tinha.
A AFA e o governo argentino decidiram que o Futebol para Todos transmitiria os jogos mais importantes dos clubes argentinos "no canal estatal de televisão, grátis, a todos os lares na Argentina, com a particular distinção de que não haveria publicidade privada", mas sim "propaganda do governo a cada meio tempo e durante a partida de futebol", disse Burzaco.
Com o corte abrupto de seu contrato, a Torneos sofreu "um enorme impacto econômico negativo nas companhias em nível internacional", mas, graças ao pagamento de propinas conseguiu reter os direitos de jogos da segunda divisão, explicou.
O depoimento de Burzaco continua e ele ainda deve ser interrogado pelos advogados dos três acusados.
Paladino disse nesta quarta-feira à Radio con Vos, de Buenos Aires, que Delhon era "um homem honrado" e qualificou Burzaco de "delinquente e sem-vergonha".