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'Existe preconceito com quem é mais velho', diz Luxemburgo

Técnico comandou o Sport na última temporada

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Publicado em 11/01/2018 às 15:41
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Técnico comandou o Sport na última temporada - FOTO: Diego NIgro/JC Imagem
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Vanderlei Luxemburgo está bastante incomodado. A situação do futebol brasileiro e a busca por se espelhar no modelo europeu levaram o técnico de 65 anos a reclamar bastante durante a cerca de uma hora de entrevista exclusiva ao Estado de S.Paulo, na última terça-feira. Sem trabalhar desde que deixou o Sport, em outubro do ano passado, o treinador afirmou que profissionais da idade dele têm sofrido rejeição depois da Copa do Mundo de 2014

Quando vai voltar a trabalhar?

Vamos esperar surgir alguma coisa que eu possa realizar. Recebi algumas ofertas. Eu quis ficar até o fim do ano curtindo minha família. Surgiram algumas coisas que não me interessaram, de fora do Brasil.

Hoje é mais difícil ser técnico?

Os jovens de hoje estão mudando os conceitos que sempre existiram no futebol brasileiro. O que é moderno para você hoje no futebol? Na verdade é tudo uma mudança de nomes. Vejo um conceito de moderno criado externamente e trazido para o futebol Os jovens treinadores que estão se formando hoje estão simplesmente mudando o nome de ponta para extrema, de contragolpe para transição. Pegam esses nomes para dizer que é moderno. Deixamos de ser referência para o mundo para buscar referências na Alemanha, Espanha e Itália... Naquele futebol pragmático.

Quando teve essa ruptura do Brasil com suas origens?

A partir de 1990, quando começamos a implantar aqui os três zagueiros. Acabamos com os laterais, com o meia-esquerda e começamos a achar que tínhamos de imitar os europeus. Mas o que eles têm para nos mostrar?

Tem como corrigir?

Precisamos ter um projeto de governo para o futebol brasileiro, criar centros de excelência para a prática do futebol nas favelas, nos subúrbios. A especulação imobiliária chegou e acabou com os campos de várzea. Temos que pegar nossas raízes e fazer um projeto, sem imitar nada lá de fora. O futebol é patrimônio nacional. Temos que proteger uma matéria-prima do Brasil, como são o petróleo e o aço. Estão batendo na tecla errada da modernidade. Ficam falando que o Luxemburgo está ultrapassado, que o Levir (Culpi) está ultrapassado... Quando cheguei, com 40 anos, o Telê Santana tinha mais de 60 e não era ultrapassado nem o Zagallo. Por que agora nós estamos superados?

Então o senhor tem sido vítima de preconceito pela idade?

Criaram isso depois da última Copa do Mundo, de que os técnicos brasileiros, depois do 7 a 1, ficaram ultrapassados e não acrescentaram nada para o futebol. Esse preconceito já me fechou muitas portas. É um preconceito do momento que estamos vivendo aqui. Parte da mídia pediu mais técnicos estrangeiros por aqui.

O 7 a 1 criou uma reação muita exagerada?

Muito! Foi desproporcional. A reação não poderia ter uma influência tão radical como teve no futebol brasileiro. Estão extrapolando demais na necessidade da mudança. Tem espaço para todo mundo, de qualquer idade. Não existe cara velho, existe cara experiente. Um escritor não serve por estar velho? O Galvão Bueno vai ter de parar de transmitir jogo por causa da idade? Se você conversar comigo sobre modernidade, eu vou saber falar sobre qualquer segmento. Eu vivo com meus netos de 15 anos, danço rap com eles para acompanhar. Por que técnico fica velho e é tido como acabado? Você fica mais sábio.

Por que depois do senhor e do Felipão, mais nenhum brasileiro dirigiu times grandes na Europa?

Será que é necessário nós irmos mesmo? Tem a discussão sobre o motivo de não sairmos do Brasil. Nós vivemos bem e ganhamos muito bem aqui. O argentino e o chileno vão porque ganham uns 20 mil dólares por mês. Então o cara vai arriscar. É maravilhoso ter a oportunidade de trabalhar na Europa, é claro. Mas se não for, não tem problema. Você não deixa de ser um excelente técnico por causa disso.

O Brasil teria treinadores em condições de trabalhar lá?

É só você ver nossas dificuldades. Fizemos trabalho aqui com três dias de pré-temporada. Nós somos preparados. Levei fisioterapeuta para trabalhar comigo no Real Madrid. Não tinha. O time do Zidane, do Raul, do Ronaldo não tinha avaliação com o histórico do jogador. Como vou lá aprender alguma coisa se eu levei isso para lá?

Qual elenco foi o mais difícil para você trabalhar?

Todos são complicados. Em um elenco de futebol, tem que ter um cara que é bagaceiro, sabe? Um cara que gosta de algumas coisas diferentes, de uma p..., de uma namorada, de uma farra. Boleiros são jovens. Tem também o cara que é da igreja e isso a gente respeita. Dentro de um time de futebol não prevalece preferência por religião. A religião é a do clube, então todo mundo tem que rezar a cartilha do clube. Você pode ser evangélico, católico, macumbeiro, pode ser o que quiser. Time de futebol muito comportado não dá certo. Tem que ter um maloqueiro.

O jogador de hoje é bem diferente do da sua época?

O ambiente do vestiário é totalmente diferente do que o de alguns anos. Os jogadores não se envolvem tanto com seu projeto, a sua participação, com os colegas. Já vi jogadores meus saírem na porrada no vestiário e eu incentivei porque depois eles tinham que brigar com os adversários. Hoje em dia, a assessoria de imprensa já liga, passa uma informação para alguém, o empresário entra na história. No Palmeiras eu falei para o Evair que ele precisaria se prejudicar e jogar recuado para deixar o Edilson e o Edmundo no ataque. O Evair entendeu. Se eu fizer isso hoje, o jogador liga para o empresário para reclamar. O vestiário agora é superlotado. O jogador sai da palestra e em vez de se preocupar só com o jogo, fica com o celular e o fone de ouvido.

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