Judô

Judoca refugiada no Brasil há quatro anos reencontra família após Rio 2016

A congolesa, refugiada no Brasil desde 2013, conseguiu entrar em contato com a família depois que sua história foi contada mundo afora

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Publicado em 05/08/2017 às 19:35
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A congolesa, refugiada no Brasil desde 2013, conseguiu entrar em contato com a família depois que sua história foi contada mundo afora - FOTO: Foto: Fernando Frazão/ABr
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A participação nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro realizou dois sonhos na vida da judoca Yolande Bukasa, de 29 anos: além de pisar no tatame na principal competição do esporte, a congolesa, refugiada no Brasil desde 2013, conseguiu entrar em contato com a família depois que sua história foi contada mundo afora. Um ano depois da abertura dos Jogos do Rio, a atleta comemora o reencontro.

"Uma tia que mora em Paris me viu e veio me encontrar. Ela veio a São Paulo, pagou minha passagem, e passamos cinco dias juntas. Ela me contou tudo, que minha mãe estava viva e meus irmãos também. Só uma irmã morreu", conta Yolande. "Deus fez meu coração muito feliz."

Refugiada na França há 20 anos, a tia de Yolande veio ao Brasil para ter certeza de que havia descoberto o paradeiro da sobrinha. Depois de confirmar a suspeita, avisou à mãe da atleta, que ainda vive com três filhos na República Democrática do Congo. A família se separou durante um bombardeio à cidade de Bukavu, quando Yolande tinha apenas 10 anos e voltava da escola. Ela foi resgatada e levada para Kinshasa. capital do Congo, e não tinha mais reencontrado os parentes.

"Ela [a mãe] me ligou, e não consigo nem explicar. Ela não conseguia falar, chorava muito", lembra Yolande, que agora pode matar a saudade com as fotos que recebeu da família e guarda no celular.

A atleta passou a conversar diariamente com a mãe e os irmãos pelo WhatsApp e os ajuda financeiramente a cada dois meses. O apoio que Yolande começou a receber do Comitê Olímpico Internacional (COI), ainda antes dos Jogos, continua, e ela consegue se manter treinando e estudando português no Instituto Reação, na zona oeste do Rio.

Os Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2020, são o próximo objetivo da jovem congolesa. Por isso, Yolande recusou o convite da tia de se mudar para Paris, e prefeiru continuar a preparação para a competição com o sensei Geraldo Bernardes, técnico da campeã olímpica Rafaela Silva e de outros nomes que estão na história do judô brasileiro, como Flávio Canto.

"Na Olimpíada, ano passado, eu estava treinando havia pouco tempo. Agora, estou me preparando mais. Estou malhando muito e treinando a parte física. Quero subir de categoria", sonha Yolande, que foi derrotada pela israelense Linda Bolder, na categoria até 70 quilos. "Tenho o quimono do dia da minha competição. Guardo na minha casa e olho todo dia. [A lembrança] me faz feliz."

Time de refugiados

Yolande treina todos os dias com Popole Misenga, de 25 anos, que também se separou da família ainda criança, em meio a um conflito armado em seu país. Eles chegaram ao Brasil juntos, em 2013, para disputar o campeonato mundial, mas contam que foram abandonados pela confederação de seu país. Tiveram de viver na rua e só começaram a treinar no Reação um ano e quatro meses antes de participar dos Jogos do Rio como membros do Time de Refugiados do COI.

Popole surpreendeu: saiu vitorioso na primeira luta e perdeu o segundo confronto, com o campeão mundial Gwak Dong Han, da Coreia do Sul. Focado no ciclo olímpico, Popole também cuida da filha mais nova, Maria Elisa, que nasceu meses depois de sua luta no Parque Olímpico do Rio de Janeiro.

"Minha vida no esporte melhorou muito. Estou treinando muito, participando de competições e ganhando ajuda do Comitê Olímpico Internacional", conta ele. "Eu evoluí, porque quando cheguei à Olimpíada, estava muito parado, três anos parado. Agora, treino direto, de segunda a sábado."

Popole vive com a mulher, três filhos de outro relacionamento dela e um casal de filhos que os dois tiveram. Com a ajuda financeira do COI, ele consegue treinar sem ter que buscar outro trabalho e, apesar de morar de aluguel em Brás de Pina, consegue ajudar amigos refugiados. "Os amigos que precisam, eu tento ajudar. Mesmo com pouco. Nossa cultura é assim."

A mulher de Popole, Fabiana de Souza, de 34 anos, estava grávida na época em que o marido disputou a Olimpíada e não pôde ir ao estádio com os quatro filhos. "O que passou na minha cabeça é que era o momento dele, que não só poderia mudar, como mudou, a nossa vida para melhor. Ele perdeu, mas, para mim, é um vitorioso, pela história de vida dele, de onde ele saiu até aonde chegou."

Fabiana conta que o reencontro com Popole após a Olimpíada foi de muita alegria, não apenas pelo sonho que havia sido realizado, mas porque eles não se viam há cerca de um mês, por causa do período de concentração antes dos Jogos e da acomodação na Vila Olímpica. "Ele é muito família, e a gente nunca tinha passado um mês longe um do outro. Ele não ficou triste porque perdeu. Ficou com sede de quero mais. Quando ele lutou com o campeão do mundo e perdeu nos minutos finais, aquilo foi a melhor coisa."

O técnico Geraldo Bernardes se alegra com as boas posições que Popole vem conseguindo em campeonatos estaduais no Rio de Janeiro e destaca que a história dos refugiados chamou a atenção da imprensa japonesa.

"O Popole está progredindo, está tendo uma evolução boa, e a gente está pensando em 2020. O Japão ficou muito interessado na história dele. Acredito que o Comitê Olímpico Internacional e o Japão possam dar [a ele] uma chance de participar [da Olimpíada]."

Para Yolande, a situação é mais difícil, porque já tem 29 anos e estará com 32 em 2020. "Com isso, há uma diferença. Ela teria que já estar no auge com 32 anos", ressalta o técnico. "Todo dia eles treinam. Fora o treinamento, tem a preparação física. Acho que é um treinamento satisfatório", afirma.

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