Há dez anos o agricultor Edilson Santos do Nascimento, conhecido como Calado, aguarda uma definição da Justiça sobre o lote que ocupa e no qual planta cacau, às margens do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Esperança. “Muitas coisas da gente ficam paradas por causa dessa decisão que a gente não tem”, diz Calado.
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Além dele, cerca de 80 famílias vivem o mesmo cenário de instabilidade, segundo o presidente da Associação Agroecológica dos Trabalhadores Rurais da Comunidade Santo Antônio (Agroeco), Fábio Lourenço.
A situação de insegurança jurídica foi gerada porque muitos fazendeiros e madeireiros ocupam a região e se dizem donos do local com base em títulos irregulares de terra – comprados de antigos grileiros. O Ministério Público Federal (MPF) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) movem diversas ações para anular esses títulos e tornar a terra pública, ou seja, de propriedade da União.
“Quando chegaram os primeiros madeireiros começaram a aparecer títulos desta área, e nós começamos a lutar na Justiça, juntamente com o Incra, para anular esses documentos e conseguimos anular todos porque foram considerados grilagem de terra”, avalia o procurador do MPF no Pará, Felício Pontes, sobre a situação nos primeiros anos de 2000.
“Uma das causas para a morte da irmã Dorothy é exatamente a Justiça ter atuado no sentido de fazer com que esses títulos fossem todos anulados e a terra fosse considerada pública. Esse consórcio de fazendeiros que matou a irmã Dorothy considerava que a única chance de se estabelecer na área seria matando a líder do movimento”, completa Pontes.
Quanto à situação da posse das terras ainda sob análise na Justiça, o presidente da Agroeco diz que, uma vez declaradas públicas, as áreas poderão ser incorporadas ao PDS. O terreno é apropriado para a modalidade de exploração sustentável da floresta, ou seja, de preservação de 80% da mata e produção nos 20% restantes.
Além do problema fundiário, a pressão dos madeireiros para retirada de árvores também permanece na região. “O Esperança é uma reserva, um estoque de produtos florestais, que está escasso na região. Os madeireiros e o pessoal que quer explorar estão de olho nisso. E há grupos, dentro do próprio PDS, que levantam essa bandeira de explorar madeira”, critica Fábio Lourenço, presidente da Agroeco.
Para a secretária da Associação Esperança, Jaqueline Torres Carvalho, entidade que irmã Dorothy ajudou a fundar, um projeto de manejo (retirada da madeira de forma a não prejudicar a floresta) é necessário para que os madeireiros não invadam o PDS. Ela é favorável a uma solução conjunta entre os moradores, mas reconhece que há divergências internas que impedem o diálogo.
“A gente defende: 'Vamos fazer projeto de manejo coletivo?' 'Vamos'. Mas aí eles querem fazer com que os bens fiquem todos com a associação. A gente acha que o agricultor tem direito a uma parte também. Afinal de contas, ele é o vigia da mata. Ele é quem está vigiando e correndo risco”, conta. Para ela, o plano de manejo pode melhorar a condição de famílias onde a terra não é produtiva
Apesar de conflitos internos, para Kátia Webster, missionária que chegou no Brasil dois anos depois de Dorothy e que mora em Anapu desde 1997, é importante que os assentados decidam sobre o próprio futuro. Segundo ela, os moradores não fugiram após a morte da irmã. “O povo ficou cada vez mais consciente de que eles são mais capazes de assumir esta luta. E a gente vê isso na própria atuação. Eles são capazes de se organizar, se articular e vão atrás. Eu acho que isso foi a repercussão mais positiva que aconteceu”, defende.