A guerra comercial iniciada pelo presidente Donald Trump, que afeta o setor de aço, deve forçar o Brasil a ceder, avalia Rubens Ricupero, que foi embaixador do País nos Estados Unidos. Ele também já comandou o Ministério da Fazenda em 1994, na implantação do Plano Real, e teve de deixar a pasta depois de ter uma conversa captada por antenas parabólicas antes de uma entrevista ao jornalista Carlos Monforte.
Ao falar da divulgação de dados de inflação, ele disse que "o que é bom a gente fatura; o que é ruim, esconde." Hoje, Ricupero avalia que o sistema político está muito mais corrompido e em desintegração.
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Leia, a seguir, trechos da entrevista
Estamos assistindo ao início de uma guerra comercial?
Não há dúvida de que o presidente Trump começou uma guerra comercial, baseada na ameaça. Mas é preciso separar as atitudes de Trump contra a China das que foram tomadas contra o Brasil.
Elas têm efeitos diferentes?
São de naturezas diferentes. No caso das tarifas que ele aumentou sobre o aço e o alumínio, alegando ser uma questão de segurança nacional, a intenção é forçar os países exportadores, como o Brasil, a negociar algum tipo de acordo, o que hoje em dia é ilegal, mas já se praticou muito nos anos 1980. Esses acertos são chamados de "acordos voluntários", de restrição de exportação. O país aceita restrições só para não ser retaliado.
E contra a China?
Ele quer diminuir o déficit comercial com a China. E há também uma disputa sobre propriedade intelectual. É uma tentativa de conter as exigências de investimentos e cessão de tecnologia, associação com empresas e mesmo cópia e roubo. Os chineses delinearam uma agenda para dez áreas de ponta - como robótica, supercomputadores, inteligência artificial - em que pretendem atingir a supremacia até 2025. Uma forma de adquirir tecnologia é comprar empresas ou obrigar quem se instala lá a ceder tecnologia. A própria Embraer teve problemas.
Essa postura surpreende?
Isso não tem nada de novo. Naquele livro que ele escreveu (ou que outros escreveram por ele), A Arte da Negociação, está dito que o que ele busca é ser imprevisível, criar um conflito e dizer ao adversário que o problema vai acabar assim que a outra parte oferecer alguma vantagem em troca. Mas esse tipo de atitude é ilegal e enfraquece as regras da Organização Mundial do Comércio.
A siderurgia brasileira deve perder muito?
Alguns grupos do Brasil nessa área há muito tempo investiram comprando usinas americanas. Quem tem mais a perder é quem não investiu nos Estados Unidos. O setor não é inteiramente unido. É claro que eles vão dizer o contrário, mas tem um grupo que não está se sentindo tão ameaçado.
Como o sr. avalia o primeiro ano do governo Trump?
A maior contribuição que ele deu até agora é a reforma tributária, que reduziu a incidência de imposto, sobretudo sobre grandes empresas. Por enquanto, está ajudando a acelerar o crescimento. Só que em um prazo maior, dificilmente compensará a perda de receita.
A relação entre Brasil e Estados Unidos deve mudar?
Hoje, a maior parte da agenda dos Estados Unidos tem pouca ligação com a do Brasil. A nossa é, em grande parte, voltada para o desenvolvimento, não tem muita ligação com questões geoestratégicas.
Seu livro mais recente, 'A Diplomacia na Construção do Brasil', relata grandes momentos do Brasil no exterior. A diplomacia brasileira se apequenou?
O Brasil ficou sem uma grande projeção, porque esse elemento do soft power, que vem do prestígio, sofre quando um país mergulha em uma crise - e o Brasil está longe de sair dela. Ainda que, em termos econômicos, haja sinais positivos, a crise do sistema político é preocupante. Basta ver as notícias recentes (da ação da Polícia Federal contra amigos do presidente Michel Temer). Como um País nessa situação vai ter grande projeção? Nem acho que a culpa seja do governo, mas é a situação histórica pela qual o Brasil passa.
Em 1994, o sr. deixou o Ministério da Fazenda após ter feito um comentário infeliz. Em períodos recentes, o alto escalão do governo vem sendo alvo de denúncias graves. O que mudou?
No meu caso, foi um deslize verbal. Esses outros casos são crimes. E eles se mantêm, porque o sistema está muito mais corrompido hoje. O sistema já dá sinais de esgotamento, na dimensão da corrupção, na repetição dos ilícitos com intervalos cada vez menores, no colapso da segurança pública e nas finanças de alguns Estados, no assassinato da vereadora Marielle Franco e no atentado contra a caravana do ex-presidente Lula. Não são fatos isolados. Há a possibilidade de uma reação, pelas eleições, se elas resultarem em um presidente e em um Congresso conscientes da necessidade de reformas. Isso pode ajudar o sistema a se regenerar. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.