O preparo do almoço na casa da dona Vera Lúcia dos Santos, 61, não se restringe à escolha do que vai ser servido à mesa ou dos temperos a serem utilizados. Moradora da localidade de Minguaú II, em Caucaia, ela separa alguns punhados de carvão e despeja no fogareiro de alvenaria antes de tudo, para fazer a brasa “pegar logo”.
A alternativa em usar o carvão como combustível para cozimento de alimentos, em vez do mais convencional gás de cozinha, se dá pelo peso que este último tem no orçamento de sua família.
Dados de 2017 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados no final de abril apontam que 23,4% dos lares cearenses usam como combustível para cozimento de alimentos matérias-primas como carvão ou lenha. Isso representa um aumento de 6,8% em relação à mesma pesquisa feita em 2016 (21,9%). O Ceará está entre os dez estados com maior uso de carvão ou lenha em casa para cozinhar. A média nacional é de 17,6%.
Na cozinha de Vera Lúcia, o botijão de gás está lá na cozinha, ao lado do fogão, e funcionando. Segundo o PNAD, esse é o método utilizado em 96,9% dos domicílios do Estado, enquanto no País é 98,4%. A escolha do combustível a ser utilizado, segundo Vera Lúcia, depende do que vai ao fogo.
“Uso o gás mais para esquentar uma água para um café ou alguma coisa que vá para o fogo mais rápido. Compro o gás aqui por R$65 e às vezes R$75. Assim dura mais. O saco de carvão sai a R$20 e dá para uns 15 dias”, conta a aposentada, que cozinha diariamente para uma família de dez pessoas. Marido, filhos, noras e netos não costumam reclamar. “Fica até melhor. O fogo do carvão dá um gosto especial na comida. É bom quando tem uma carninha de porco que assa na brasa”, conta o esposo, seu Francisco Rosa Nascimento, 66, após saborear satisfeito carne cozida e baião preparados no carvão.
O percentual de lares que usam carvão ou lenha é maior no Interior que na Capital. Em Fortaleza, o método de queima está presente em apenas 1,8% dos domicílios.
Ao se ampliar a amostragem para a Região Metropolitana, o dado sobe para 5,4% das casas. Também em Caucaia, no distrito de Tucunduba, a cozinha da dona de casa Maria Stela da Silva, 59, fica iluminada na hora do almoço com a brasa incandescente do fogareiro. Ela, que também tem fogão a gás além de um forno microondas, conta que costuma alternar a forma como cozinha as refeições. “Acontece muito de ficar sem gás e sem dinheiro para trocar o botijão. Fica muito pesado usar só o gás”, explica, complementando que o uso da lenha já não é mais tão comum no local, ao contrário do carvão. “Dá mais trabalho porque tem que cortar. E nesse período de chuva, ela molha e o fogo não pega”, acrescenta.
Fortaleza tem 2º gás de cozinha mais caro do NE
O preço médio que o cearense tem que desembolsar para comprar um botijão de 13kg de gás de cozinha é R$ 70,43. O levantamento referente a maio feito pela Agência Nacional do Petróleo mostra que a tarifa do Estado é a segunda mais cara do Nordeste. No topo da lista fica Sergipe (R$ 75,67) e o gás mais barato pode ser encontrado na Bahia (R$ 57,71).
Ao olhar para as maiores metrópoles da Região, o panorama é semelhante. Fortaleza fica atrás apenas de Aracaju entre as cidades onde é necessário desembolsar mais para comprar o botijão. Na capital sergipana, o produto chega perto dos 80 reais (R$79,08), quase quatro reais a mais que Fortaleza (R$75,43). Valores bem superiores aos observados em Salvador, onde o botijão custa R$ 53,38.
Fortaleza é também a cidade que apresenta a maior tarifa entre as avaliadas pela ANP no Ceará. Enquanto o preço médio da Capital gira em torno de 75 reais, em outros municípios como Juazeiro do Norte, o preço médio está em R$ 62.
Entre maio de 2013 e agora, o preço médio do gás de cozinha em Fortaleza quase dobrou. Há cinco anos, ele custava R$ 42,84. A variação de 88,43% supera e muito a inflação registrada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para o período, que foi cerca de 34%.
Segundo Bruno Iughetti, especialista em petróleo em gás, o elevado preço praticado no Ceará é explicado por uma logística onerosa no transporte do GLP até a distribuidora.