TRISTEZA

'Quero saber por que a mataram', diz mãe da jovem morta na Nicarágua

Mãe de Raynéia pede empenho aos governantes locais para que o corpo da filha seja trazido para o Brasil o mais rápido possível

JC Online
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Publicado em 24/07/2018 às 23:00
Foto: Reprodução/ TV Jornal
Mãe de Raynéia pede empenho aos governantes locais para que o corpo da filha seja trazido para o Brasil o mais rápido possível - FOTO: Foto: Reprodução/ TV Jornal
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Em meio ao luto, a enfermeira aposentada Maria José Costa, mãe da pernambucana Raynéia Lima, de Vitória de Santo Antão, na Zona da Mata de Pernambuco, em entrevista à TV Jornal Interior, pediu que o corpo da filha seja trazido ao Brasil o mais rápido possível e lamentou a ida da filha para o País à procura da realização do sonho de estudar medicina. "Ela precisou sair do Brasil para conseguir estudar, realizar o sonho dela, e por causa disso perdeu a vida", desabafou a mãe, que teve a filha de 30 anos morta na Nicarágua na segunda-feira (23).

Leia a entrevista com a mãe de Raynéia

Quando Raynéia teve a ideia de cursar medicina em Nicarágua?

MARIA JOSÉ COSTA – Sempre foi o sonho dela. Uma vez, ela viu a imagem de um coração em uma revista, recortou e guardou. Disse: ‘vou ser doutora de coração’. Foi crescendo com essa vontade. Eu me esforcei muito para pagar os estudos dela em colégio particular para ela ter boa base e poder atingir os objetivos. Tentou duas vezes passar na UFPE e UPE e não conseguiu. Eu não podia pagar faculdade particular e disse: ‘minha filha, enquanto você tenta, vá fazer enfermagem’. Ela foi morar no Recife e começou a estudar enfermagem. Nesse tempo, namorava com o rapaz que se tornou esposo dela. O pai dele era engenheiro e estava trabalhando na Nicarágua pela Odebrecht há uns dois ou três anos. Ela foi visitar o país, procurou saber sobre faculdade de medicina lá e fez uma seleção. Com um mês e pouco, chegou um telegrama dizendo que ela tinha sido selecionada e podia providenciar toda a documentação para fazer a matrícula. Ela ficou muito empolgada, era o sonho dela. Correu logo para fazer um curso de espanhol e também foi agilizar o casamento para ir embora com o marido. Ela casou no começo de janeiro de 2013 e foi embora no fim do mês. No fim do ano, ela veio, passou um tempo comigo. Em 2014, ela também veio passar o fim do ano comigo, foi o último. Ela disse que não ia poder vir mais todo ano porque o custo era alto. A gente se comunicava pelo Skype. Teve um mês que ela ficou querendo vir embora porque lá tinha terremoto. Ela foi se acostumando, mas quando passaram-se uns sete ou oito meses começou o conflito lá. ‘Mainha, começou tipo uma guerra aqui’, ela disse, e começou a contar que o pessoal não podia mais sair de casa, como se houvesse um toque de recolher, e que eles avisaram que matariam se encontrassem alguém na rua.

Ela disse se sentia medo?

MARIA JOSÉ – Ela estava com muito medo. Terminou a faculdade em dezembro e começou a residência este ano. Eu disse para ela não ir só para o hospital, ela sempre com medo: ‘mainha, o negócio aqui está feio’. Uma amiga dela, que é daqui de Pernambuco e também estudava com ela, veio embora em maio e disse: ‘não vou ficar aqui, não, não vou morrer de graça, não’. Mas Raynéia continuou lá. Já estava tudo certo para vir embora entre o fim de março e abril. Minha filha passou necessidade lá para poder estudar. Fazia salgadinhos e docinhos para ter o que comer. Eu nunca pude mandar dinheiro para ela todo mês. Tinha semana que melhorava, tinha semana que piorava. Na última vez em que falei com ela, estou até com as palavras aqui no telefone, ela disse: ‘mainha, estou de plantão hoje’. E eu disse: ‘então, deixe para conversar mais tarde, quando você chegar em casa’. Só que não houve mais essa conversa, ela largou, passou na casa de uma amiga, e no caminho para casa foi quando atiraram. Socorreram, mas não deu tempo, ela não sobreviveu aos tiros. Uns dizem que foi da parte do governo, outros dizem que foi um vigilante de uma firma particular. Ninguém sabe. Estou muito decepcionada porque até agora, quase 24 horas da morte, ninguém entrou em contato comigo. Não sei quando o corpo da minha filha vai poder vir para ter um enterro digno. Também quero descobrir por que mataram minha filha. Ela nunca foi de estar em confusão, ela nunca foi de participar de passeata. Ela não tinha tempo para isso, era de casa para o hospital, ou então passava na casa de alguma amiga para conversar um pouquinho. Quero saber por que a mataram, já que ela estava no caminho de casa, dentro do carro dela. Quero que o governo do Brasil e o governo de Pernambuco se empenhem para trazer o corpo da minha filha e tomem providências. Ela era inocente, estava lá para estudar e salvar vidas, e tiraram a vida dela. Ela precisou sair do Brasil para estudar fora porque aqui não deram condições. Ela teve que sair para realizar o sonho em outro país e perdeu a vida por causa disso.

Nenhuma autoridade do Brasil ou Nicarágua entrou em contato?

MARIA JOSÉ – Uma moça do Itamaraty ligou umas 18h30. Estava chegando gente aqui, e eu pedi para ela ligar umas 20h. Até agora, nada. Minha filha está estirada lá em um canto, só Deus sabe onde, desprezada. É difícil. Ela era filha única, lutei muito para criar sozinha. Só Deus sabe o sacrifício que eu fiz para criar minha filha e o quanto ela lutava para sobreviver lá. Tinha dia que ela dizia que não tinha nada dentro de casa. Ela ficou bem magrinha, acho que de passar necessidade. Ela chegou a fazer trabalho de modelo, ganhava um trocadinho, pagava uma conta, comprava algo. Um dia ela ligou e disse que estava sem nada dentro de casa. Eu botei para chorar, disse que ia arrumar um dinheiro para ela fazer uma feirinha e foi isso que eu fiz.

 

Violência na Nicarágua

A Nicarágua vive, desde abril, uma onda de protestos que pedem a saída do presidente Daniel Ortega. O governo respondeu com violência aos manifestantes e ao menos 360 pessoas já foram mortas, a maior parte civis.

O governo nega ter ligação com os grupos paramilitares que são acusados de serem os responsáveis pela maioria das mortes, apesar deles usarem bandeiras do partido do presidente, a Frente Sandinista de Libertação Nacional.

Itamaraty

Em nota, o Ministério das Relações Exteriores lamentou o ocorrido e disse estar buscando, junto com as autoridades da Nicarágua, os esclarecimentos do assassinato da jovem. O Itamaraty também condenou ações de força e violência que acontecem neste momento no País.

Confira a nota completa abaixo:

"O governo brasileiro recebeu com profunda indignação e condena a trágica morte ontem, 23 de julho, da cidadã brasileira Raynéia Gabrielle Lima, estudante de Medicina na Universidade Americana em Manágua, atingida por disparos em circunstâncias sobre as quais está buscando esclarecimentos junto ao governo nicaraguense. Neste momento difícil, estende sua solidariedade e expressa suas mais sentidas condolências à família da jovem.

Diante do ocorrido, o governo brasileiro torna a condenar o aprofundamento da repressão, o uso desproporcional e letal da força e o emprego de grupos paramilitares em operações coordenadas pelas equipes de segurança, conforme constatado pelo Mecanismo Especial de Seguimento para a Nicarágua instalado para implementar as recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Ao repudiar a perseguição de manifestantes, estudantes e defensores dos direitos humanos, o governo brasileiro volta a instar o governo da Nicarágua a garantir o exercício dos direitos individuais e das liberdades públicas."

O governo brasileiro exorta as autoridades nicaraguenses a envidarem todos os esforços necessários para identificar e punir os responsáveis pelo ato criminoso."

Universidade se pronunciou

Por meio de um comunicado digital, La Universidad Americana declarou profunda tristeza pela morte da estudante Raynéia. A instituição afirmou que vai fazer uma referência à pernambucana em sinal de luto e dor e em solidariedade aos estudantes da universidade e de todos os outros lugares do País.

Nota do Itamaraty sobre o caso da Pernambucana:

"Morte de cidadã brasileira na Nicarágua

24 de Julho de 2018, 15h23

Raynéia Gabrielle Lima, estudante de Medicina na Universidade Americana em Manágua, atingida por disparos em circunstâncias sobre as quais está buscando esclarecimentos junto ao governo nicaraguense. Neste momento difícil, estende sua solidariedade e expressa suas mais sentidas condolências à família da jovem.

Diante do ocorrido, o governo brasileiro torna a condenar o aprofundamento da repressão, o uso desproporcional e letal da força e o emprego de grupos paramilitares em operações coordenadas pelas equipes de segurança, conforme constatado pelo Mecanismo Especial de Seguimento para a Nicarágua instalado para implementar as recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Ao repudiar a perseguição de manifestantes, estudantes e defensores dos direitos humanos, o governo brasileiro volta a instar o governo da Nicarágua a garantir o exercício dos direitos individuais e das liberdades públicas.

O governo brasileiro exorta as autoridades nicaraguenses a envidarem todos os esforços necessários para identificar e punir os responsáveis pelo ato criminoso."

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