“Hugo Chávez era um homem bom, ajudou muita gente daqui”, afirma o aposentado. “O povo da cidade adora ele. Ficamos muito sentidos quando faleceu”, conta a agente de saúde. “Quando ele morreu, algumas pessoas deixaram flores aqui na praça”, lembra o vendedor. O cenário não é nenhuma cidade da Venezuela, e sim o município de Abreu e Lima, na Região Metropolitana do Recife, que ganhou apareceu na mídia mundial graças às visitas do presidente venezuelano, em 2003 e 2005.
Como marco físico desse acontecimento ficou a praça construída em homenagem ao general pernambucano José Inácio de Abreu e Lima e ao libertador Simon Bolívar. Hoje, o espaço não possui mas as bandeiras hasteadas do Brasil e da Venezuela cercando as duas figuras históricas. Bem como falta-lhe partes do acabamento em granito. Ainda assim, mais forte do que as pedras que compõem a estrutura do monumento foi a impressão que Hugo Chávez, morto terça-feira, deixou nos cidadãos abreu-limenses.
Sentada à sombra de uma das árvores em volta da praça, a aposentada Maria de Lourdes Lima lembra de quando o presidente da Venezuela veio à sua cidade inaugurar os dois bustos. “Nunca vi isso aqui tão cheio. Era gente e soldado para tudo que era lado”, conta a aposentada. Segundo os dados divulgados pelo Batalhão de Choque da Polícia Militar, cerca de 5 mil pessoas compareceram à Praça São José para a inauguração dos bustos, que contou ainda com a presença do então presidente Lula. Era a segunda visita de Chávez ao Estado. Na primeira, em 2000, visitou o túmulo do general que tanto admirava, no Cemitério dos Ingleses, no Recife.
MILAGRES
A segunda visita do presidente venezuelano ao município deixou marcas menos visíveis em Abreu e Lima, mas profundas. Hugo Chávez recebeu o título de cidadão abreu-limense, pela Câmara Municipal e ainda ganhou uma placa de uma turma de formandos do colégio São José e da escola estadual General Abreu e Lima. Mas o que mudou a vida dezenas de moradores da cidade foi o acordo assinado no dia entre o presidente e o prefeito Flávio Gadelha, que firmava uma parceria para que o município pudesse ser atendido pela Missão Milagre (Misión Milagro), um projeto do governo venezuelano que leva pessoas com deficiência visual para serem operadas na república bolivariana. Mais de 90 moradores de Abreu e Lima, alguns deles com direito a acompanhante, embarcaram para a Venezuela, onde fizeram cirurgias de catarata e epterismo, com tudo bancado pelo governo de Chávez.
“Todo mundo conhece alguém que foi operado nessa viagem. Um parente, amigo ou vizinho. Hugo Chávez era um homem bom, ajudou muita gente daqui e o povo até hoje é grato a ele”, afirma o aposentado José da Paz, também um frequentador da praça São José.
Uma dessas pessoas é a técnica em enfermagem Lúcia Maria Barbosa, que acompanhou o marido João Cícero Figueroa, falecido há cinco meses de câncer, assim como o presidente venezuelano. “Ele voltou da viagem enxergando tudo. Foi ótimo. Alguns anos depois foi diagnosticado com câncer de próstata e faleceu. Até mesmo quando vi as primeiras notícias sobre a doença de Hugo Chávez, lembrei logo do que aconteceu com Cícero e fiquei muito comovida”, conta Lúcia. A agente de saúde Patrícia Mendes acompanhou o grupo que foi à Venezuela em 2006 e conta que o tratamento foi o melhor possível. “Ficamos num alojamento do Exército, tudo muito limpo e organizado. Fizemos até amizade com o pessoal da cozinha e ensinamos receitas brasileiras”, lembra.
O grupo da Missão Milagre não teve oportunidade de passear por Caracas em sua viagem, mas Lúcia destaca as condições dos hospitais públicos venezuelanos, onde seu marido ficou internado. “Não perde em nada para qualquer hospital particular do Recife. São condições de primeiro mundo. Além disso, todos foram muito hospitaleiros conosco”, observa a técnica em enfermagem. Patrícia comemora o avanço na qualidade de vida que a missão trouxe para os envolvidos. “Em 11 dias fizemos 65 cirurgias. Aqui teríamos feito seis ou sete por mês. Existe muita polêmica em relação ao Hugo Chávez, algumas pessoas gostam dele e outras não. Mas ele foi muito bom para Abreu e Lima, e a população aqui não esquece”, completa.
Mesmo quem não foi beneficiado diretamente pelas operações oftamológicas compartilha desse sentimento de gratidão em relação ao presidente venezuelano falecido. “Conheço muita gente que se operou nessa missão e Hugo Chávez foi um pai para esse o povo. Se eu pudesse estaria lá na Venezuela para o funeral também. Me comovi muito com a luta dele contra o câncer e também com sua morte”, conta Maria de Lourdes. José da Paz também exalta a memória do comandante. “Foi um grande homem. Se não fosse, não tinha tanta gente chorando a morte dele lá na Venezuela”, acredita o aposentado. “Foi maior até do que Lula, se tudo que a gente vê na televisão foi ele mesmo quem fez para o povo do seu país”, pondera “seu” Zé da Paz, sob as sombras das árvores da raça São José.
Sob a vista dos libertadores das Américas, Severino da Silva, que trabalha com um fiteiro na praça inaugurada por Chávez foi testemunha da gratidão dos abreu-limenses ao presidente venezuelano. “No dia da morte dele, muita gente veio trazer flores para o busto de Bolívar e de Abreu e Lima”, conta.