Cerca de 200 milhões de pessoas que se identificam como afrodescendentes vivem na América Latina e no Caribe, o que corresponde a 30% da população dessas regiões, conforme estimativa da Associação Rede de Mulheres Afro-Latinas, Afro-Caribenhas e da Diáspora (Mujeres Afro). Apesar do número, os negros são os mais afetados pela pobreza, marginalização e pelo racismo, em especial as mulheres.
No Dia da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha, celebrado neste sábado (25), e no primeiro ano da Década Internacional dos Afrodescendentes, instituída pelas Nações Unidas, os problemas enfrentados pelas mulheres negras ganham visibilidade.
Levantamentos de alguns países mostram essa situação. Em Porto Rico, por exemplo, estudo mostra que um homem branco com ensino superior tem 89% mais chances de entrar no mercado de trabalho. No caso das mulheres negras, o percentual é menor: 60%. No Uruguai, a taxa de desemprego chega a 7%, mas entre as mulheres negras sobe para 14,3%.
A situação das mulheres negras foi discutida entre os dias 26 e 28 de junho em Manágua, na Nicarágua, durante a 1ª Cúpula de Lideranças Femininas Afrodescendentes das Américas.
O documento Plataforma Política, preparatório para a cúpula, aponta que “se assume que a situação de marginalização e exclusão socioeconômica que vivem as populações afrodescendentes se deve mais à situação de classe do que ao próprio racismo, que sustenta a ideia de que se forem alcançados níveis socioeconômicos mais altos não se teria barreiras para a mobilidade social e, portanto, não seriam vítimas de racismo. Sobre esta base está instalada a ideologia da democracia racial que invisibiliza as diversas maneiras em que o racismo se expressa de forma subterrânea mas devastadora”.
“Nós, mulheres negras, pertencemos a uma mesma comunidade de destino. Foi possível evidenciar mais uma vez que racismo, sexismo, lesbofobia, fundamentalismos são os mesmos vetores que movem a dominação e a exclusão de milhões de mulheres negras no Continente”, disse Nilza Iraci, coordenadora de comunicação do Geledés – Instituto da Mulher Negra, que participou da cúpula.
A coordenadora relatou que, durante a cúpula, foi possível perceber as semelhanças nas condições das mulheres negras. “Um exemplo clássico é verificar as falas da palanquera, da Colômbia; das quilombolas, do Brasil; e das garífunas, na América Central. Juntas falam de problemas e vivências semelhantes, como se fosse uma comunidade única. Também pode ser verificado entre as jovens da região, falta de oportunidades, emprego e perspectivas; e em todas as mulheres que vêm sendo vitimizadas pelo avanço dos fundamentalismos religiosos que tentam legislar sobre seus corpos e sua sexualidade. Ou seja, esses fatores formam um caldo de cultura onde a mulher negra é a mais vitimizada”.
Brasil
Para a representante da Organização das Nações Unidas (ONU) Mulheres no Brasil, Nadine Gasman, o Brasil se destaca na América Latina por ter políticas públicas e instituições oficiais de combate às desigualdades, como a Secretaria de Política para as Mulheres (SPM) e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir).
“Nós falamos muito em acelerar os processos para garantir que essas diferenças diminuam em um tempo rápido, porque são brechas históricas que têm que se fechar. Mas as políticas públicas, o Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida, o Pronatec, o Brasil sem Miséria têm sido políticas muito importantes que têm mudado a cara e a inserção das mulheres negras no Brasil de uma maneira muito importante”.
No entanto, a representante reconhece que as mulheres negras estão atrás nos indicadores sociais e econômicos do país. “Por exemplo, em termos de pobreza, a população negra é mais vulnerável, sete em cada dez casas que recebem o Bolsa Família são chefiadas por negros, sendo que 37% das casas são chefiadas por mulheres. Temos entre mulheres brancas um desemprego de cerca de 9%, entre as mulheres negras ultrapassa 12%. Outra área que vale a pena ressaltar é o tema da renda. As mulheres negras recebem 42% do salário dos homens brancos. É muito chocante elas receberem menos da metade do salário dos homens brancos”.
Para Nilza Iraci, do Geledés, o maior avanço no país foi a organização dos movimentos sociais, já que “os indicadores sociais têm demonstrado que, apesar da conquista de políticas públicas, elas não têm sido capazes de transformar a realidade e a vida de milhares de brasileiras”.
A Secretaria de Políticas para as Mulheres destaca que o governo federal tem implementado, na última década, diversas políticas voltadas à promoção da igualdade das mulheres negras, como o Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça, a aplicação da Lei Maria da Penha e o enfrentamento da exploração sexual e do tráfico de mulheres.
Para este ano, a secretaria deverá criar um grupo de trabalho para atender mães que perderam os filhos, vítimas de violência. Em novembro, será realizada a 1ª Semana das Mulheres Negras no Mês da Consciência Negra e uma consulta nacional a quilombolas e afrodescendentes para a 4ª Conferência Nacional de Política para Mulheres.