O ex-magistrado venezuelano Jose Belandria recebeu a reportagem do JC no apartamento onde mora com a mulher e filha mais velha, em Setúbal, na última quinta-feira, quando completou um ano que família desembarcou no Brasil. O prédio é do tipo caixão, sem elevador, numa rua próxima a uma comunidade carente. A entrevista foi concedida na sala, onde tem apenas uma mesa com cadeiras de plástico. Uma vida bem diferente da que a família tinha na Venezuela, antes da crise econômica de política do País. Hoje, aguarda resposta de uma entrevista de emprego em uma pizzaria. Em paralelo, busca oportunidades na área jurídica e de comércio exterior. A esposa, Yasmin Ruiz, trabalha para uma multinacional de venda direta, enquanto concilia com aulas de espanhol.
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Enquanto a família se preparava para se mudar para o Brasil, a filha mais nova, de 19 anos, conseguiu uma bolsa em uma universidade em Foz do Iguaçu, onde estuda cinema. A mais velha, com 24 anos, não terminou a faculdade de design. Quando deixou a Venezuela, passou três meses em um intercâmbio voluntário na Alemanha, mas depois veio ao Recife. Mesmo sem conseguir finalizar a graduação, conseguiu um trabalho na área.
A família tinha uma vida confortável. Belandria contou que, em 2000, seu salário era de US$ 3 mil, o que permitia “luxos” como viajar todos os anos para os Estados Unidos. Em 2010, o salário de um juiz valia o equivalente a US$ 500. Hoje, segundo ele, está na faixa de US$ 100. “A gente poderia tentar sobreviver nessas condições. Mas é um perigo muito grande. A gente já viu muitas pessoas queridas morrer por falta de medicamento essencial. É muito perigoso passar por ma cirurgia, ter um problema de saúde na Venezuela. Por isso que tantas mulheres vêm ao Brasil ou Colômbia para ter seus bebês”, disse Yasmin Ruiz. Segundo o casal, o governo insiste em não fazer o pedido de ajuda humanitária internacional.
Ela disse que faltam medicamentos essenciais na rede de saúde. Não há anestesia para procedimentos hospitalares. Yasmin contou que teve que fazer um tratamento no dente e, em dois atendimentos, fez sem anestesia.
Enquanto a família teve um rendimento mais folgado, conseguia comprar mercadorias e até comida no mercado negro, driblando as filas que formam em frente aos supermercados. Para Yasmin, o Brasil é um local de oportunidades. “A gente vê o Brasil com outros horizontes. O Brasil é um mercado ótimo para desenvolver negócios da nova economia, tem muitas vantagens, como a possibilidade de ficar legalizado. Essa crise que vocês falam é sobre empregos. Não tem empregos no Brasil nem no mundo inteiro. O emprego acabou, mas o empreendedorismo começou. É um empreendedorismo sem fronteiras”, relatou.
OLHAR SOBRE O BRASIL
A situação, acredita Yasmin, trouxe outras perspectivas pessoais para seus conterrâneos. “O venezuelano mudou. Somos mais dispostos. Antes, a gente era rico e só tínhamos dinheiro. Agora temos muitas possibilidade para o ser humano. Resolvemos qualquer situação com nada. A gente não tem nada para fazer e do nada podemos fazer alguma coisa”, afirma.
Apesar de tudo que enfrenta, o casal acredita que a Venezuela pode voltar a ser um país próspero. “Temos ouro, temos petróleo. Mas tem que mudar o governo”, afirmou Belandria.
Enquanto a vida se organiza por aqui, a família comemora pequenas vitórias diárias. “Entrar num supermercado e ver as prateleiras cheias é motivo de alegria para um venezuelano. Aqui, vocês têm papel higiênico, que acabou por lá”, disse.