Pesquisa realizada pela organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras com 467 migrantes e refugiados em albergues de cinco localidades no México apontou que quase 70% dos entrevistados (68,3%) relataram ter sido vítimas de violência já em território mexicano. O relatório divulgado nesta quinta-feira (11) indica que aproximadamente 500 mil pessoas cruzam a fronteira rumo ao México anualmente. A maioria dessas pessoas são originárias de El Salvador, Honduras e Guatemala, países conhecidos como o Triângulo Norte da América Central (TNAC).
“Para os milhões de pessoas da região do TNAC, trauma, medo e terrível violência são as facetas dominantes da vida diária. Contudo, essa é uma realidade que não termina com a fuga forçada para o México. Ao longo da rota migratória a partir do TNAC, migrantes e refugiados se tornam alvos de organizações criminosas, por vezes com a aprovação tácita ou cumplicidade das autoridades nacionais, e são submetidos à violência e outros abusos – sequestros, roubo, extorsão e estupro – que podem deixá-los feridos e traumatizados”, diz o documento.
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O levantamento ouviu 467 migrantes e refugiados em outubro de 2015. Destes, 40% mencionaram, como principal causa da fuga do país de origem, o fato de sua família ou eles próprios terem sofrido ataques diretos, ameaças, extorsão ou tentativa de recrutamento forçado por parte de gangues criminosas. Entre os entrevistados, 43,5% perderam algum parente em um incidente violento nos anos anteriores à fuga. No caso dos salvadorenhos, esse percentual chegou a 56,2%.
Atendimentos
Dados de mais de 4,7 mil consultas médicas prestadas a migrantes e refugiados no México entre 2015 e 2016 também compõem a pesquisa. Uma em cada quatro consultas teve como causa lesões físicas e traumatismos intencionais sofridos na rota entre o México e os Estados Unidos. Já 20% das consultas ocorreram devido a síndromes osteomusculares agudas, resultantes das condições duras em que migrantes e refugiados viajam. Nesse período, o MSF atendeu 166 vítimas de violência sexual, das quais 60% foram estupradas e as demais sofreram outros tipos de agressão, como a nudez forçada.
No mesmo período, foram prestadas 1.817 consultas de saúde mental. Segundo relatório, 92,2% dos atendidos sofreram um evento violento em seu país de origem ou durante a rota migratória que afeta sua saúde mental ou seu bem-estar; 47,3% procuraram o atendimento psicológico por motivos relacionados à violência física: socos, pontapés, golpes de facão, ferimentos de bala, fraturas ósseas infligidas por golpes de bastões de beisebol, ferimentos sofridos ao terem sido jogados de trens em movimento.
Migrantes e refugiados
Desde 2012, a organização Médicos Sem Fronteiras oferece cuidados médicos e de saúde mental a milhares de migrantes e refugiados que fogem da violência extrema no Triângulo Norte da América Central para o México, no que a organização considera o maior corredor migratório do mundo.
De acordo com a organização, a pesquisa tem como pano de fundo a intensificação da aplicação de normas migratórias por parte dos governos do México e dos Estados Unidos, incluindo o uso de detenções e deportações. “Tais práticas ameaçam conduzir mais refugiados e migrantes às mãos brutais de contrabandistas e organizações criminosas”, afirma o MSF.
De janeiro de 2013 a dezembro de 2016, as equipes de MSF conduziram 33.593 consultas a migrantes e refugiados do TNAC por meio de diversas clínicas móveis, centros para migrantes e albergues – como são conhecidas as instalações localmente – pelo México. “Por meio dessas atividades, MSF documentou os níveis extensivos de violência contra pacientes tratados nessas clínicas, assim como os impactos em termos de saúde mental dos traumas vivenciados antes da fuga dos países de origem e durante a jornada”.
A organização ressalta que as pesquisas e os dados médicos se limitam aos pacientes atendidos pelos Médicos Sem Fronteiras e pessoas que receberam tratamento das clínicas apoiadas pela entidade.
Crise humanitária
O documento critica ainda o baixo status de refúgio concedidos nos Estados Unidos e no México. Segundo o MSF, as pessoas forçadas a fugir do Triângulo Norte da América Central são, em sua maioria, tratadas como migrantes econômicos por países como o México e os EUA. Menos de 4.000 pessoas que fugiram de El Salvador, Honduras e Guatemala receberam o status de refugiado durante 2016.
“Além disso, o governo do México deportou 141.990 pessoas do TNAC. Considerando a situação nos EUA, até o final de 2015, 98.923 indivíduos do TNAC haviam submetido uma solicitação de refúgio ou asilo, de acordo com o Acnur [Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados]. Ainda assim, o número de status de asilo concedidos a indivíduos do TNAC foi comparativamente inferior: 9.401 desde 2015”.
O relatório ressalta que as evidências apontam para a necessidade de entender que a história de migração do Triângulo Norte da América Central não é apenas econômica, mas consiste em uma crise humanitária muito mais abrangente.
“É uma crise humanitária que requer que os governos do México e dos Estados Unidos, com o apoio dos países da região e de organizações internacionais, ampliem rapidamente a aplicação de medidas de proteção legais – asilo, vistos humanitários e status temporário de proteção – para pessoas que fogem da violência na região do TNAC; cessem imediatamente a deportação sistemática de cidadãos do TNAC; e expandam o acesso a serviços médicos, de saúde mental, e voltados para violência sexual para migrantes e refugiados”, destaca o levantamento.