A população carcerária na América Latina cresce mais rápido do que a média mundial, estimulada pelas políticas repressivas antidrogas - um problema ainda sem solução para os governos da região, como advertiram especialistas do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV).
Para a coordenadora regional de Proteção do CICV, a suíça Deborah Schibler, a superlotação nos presídios mostra que a construção de novas unidades é uma solução insuficiente, devido ao acelerado avanço da população carcerária.
"Os novos estabelecimentos deveriam ser pensados para substituir os velhos, que não são feitos para reinserir o preso na sociedade. Mas, cada vez que se constrói uma nova estrutura, lota rapidamente, e as velhas estruturas continuam cheias. Você não pode acabar com elas, porque a superlotação continua. Então, o problema não é resolvido", disse Deborah à AFP.
Esta semana, a especialista da organização humanitária participou de uma oficina, na capital costa-riquenha, San José, para debater a infraestrutura carcerária regional, junto com representantes de 13 países latino-americanos.
Dados do estudo World Prison Population List, do britânico Institute for Criminal Policy Research, indicam que, de 2000 a 2016, a população penal do mundo cresceu quase 20%.
Enquanto isso, na América Central, o crescimento foi de 80% nesse período e, nos países sul-americanos, de 145%. Com esses percentuais, trata-se de uma das áreas de mais rápido crescimento da população penal mundial.
O espanhol Ione Rodríguez, encarregado regional de Infraestrutura do CICV, destacou que "um dos grandes males do sistema penal da América Latina é a falta de instalações adequadas, ou com boa manutenção, principalmente pelo longo tempo de existência dessas estruturas".
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Drogas e prisão
Por trás do forte aumento da população penal latino-americana, está a guerra contra as drogas, a qual levou os governos da região a tentarem resolver esse problema com detenções, avaliam especialistas da Cruz Vermelha ouvidos pela AFP.
"Quando se começou a solucionar o problema das drogas com prisão, proibiu-se tudo: posse, uso, tráfico, e o que se fez foi encher as instituições carcerárias", destacou Schibler.
Segundo Deborah, a prisão não resolve o problema. Quando se prende uma pessoa por vender droga no bairro - alega -, outra vai aparecer para vender, a qual, eventualmente, será de novo substituída, se a anterior tiver sido presa.
Os especialistas falaram ainda da necessidade de se elaborar políticas penais integrais, que recorram a todos os instrumentos de correção disponíveis, e não apenas o encarceramento.
Um sistema carcerário que transforme o infrator em uma pessoa que respeite a autoridade e as leis precisa de investimento, porém, o que costuma gerar críticas da população.
"É a grande contradição da opinião pública, que exige do sistema que ressocialize as pessoas, mas que não vê com bons olhos que se invista no sistema que deve fazer essa reinserção", explicou Rodríguez.
"Temos de nos perguntar: se meu vizinho esteve 20 anos na prisão e, quando sair, vier morar no meu bairro, como quero que esse vizinho seja? Quero alguém que esteve em um lugar sombrio, maltratado, ou alguém que redescobriu o respeito pela autoridade, capacitado para se reinserir na sociedade?", questionou Deborah.
Rodríguez reconheceu que alguns países latino-americanos começaram a atacar o problema penal de maneira integral, com ações de longo prazo e até políticas corretivas no dia a dia.
"Se os que planejam e projetam as prisões, os que cuidam das prisões e os que ressocializam os internos não se sentarem para discutir quem queremos ter preso, como tratá-los e como fazer sua reinserção, isso não vai ter solução", adverteu Schibler.