Um alemão suspeito de pertencer aos "cidadãos do Reich" ("Reichsbürger"), um movimento que não reconhece a República alemã, compareceu nesta terça-feira (29) a um tribunal de Nuremberg (sul) por ter matado um policial na Baviera em outubro de 2016.
Por intermédio de seus advogados, Wolfgang Plan, de 49 anos, disse que não tinha a intenção de matar um dos agentes que quiseram apreender as várias armas, cerca de 30, que ele mantinha ilegalmente em sua casa. Também disse não pretender ferir outros três.
Acusado de "assassinato com circunstâncias agravantes, tentativas de assassinato e feridas corporais graves", Plan enfrenta uma condenação de prisão perpétua, o que significa, na prática, 15 anos de prisão antes de poder pedir a liberdade condicional.
Segundo suas próprias declarações, ele foi surpreendido pela chegada das forças de segurança e não sabia que se tratava de policiais quando atirou contra eles, causando a morte a um dos agentes e ferindo outros três. Este tipo de comportamento pode estar vinculado, segundo a acusação, ao estilo dos "cidadãos do Reich", chamados de "Reichsbürger".
Os "Reichsbürger" - um movimento heterogêneo de neonazistas, nostálgicos do Kaiser, conspiracionistas e pessoas com crenças esotéricas - preocupam as autoridades alemãs que, após uma série de incidentes violentos, consideram-nos uma ameaça crescente.
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Quem são?
Os "Reichsbürger" são uma rede nebulosa de indivíduos e associações de nomes mirabolantes, como "o Governo no exílio do Império alemão", o "Reino da Alemanha", ou a "República Livre da Alemanha".
Eles "acreditam que a República Federal da Alemanha (RFA) não existe, se negam a pagar impostos e querem restaurar uma Alemanha que inclua zonas da atual Polônia", explica Jan Rathje, um especialista em extrema-direita da Fundação Amadeu-Antonio, em um panfleto sobre este movimento.
Durante muito tempo - explica -, eles foram considerados apenas malucos, ou pessoas com tendência a reclamar continuamente. Os Reichsbürger inundam o governo com e-mails em que expõem sua ideologia e sua recusa, por exemplo, a pagar impostos.
Não pagam as multas nem contribuições sociais e desobedecem à Polícia. Em junho, um homem de 33 anos rejeitou as medidas policiais ao ser detido alcoolizado ao volante de seu carro em Rostock (nordeste). Ele alegou não reconhecer a autoridade das forças de segurança. Os Reichsbürger fabricam seus próprios documentos de identidade, suas carteiras de motorista e reinventam as placas de seus carros.
Alguns não reivindicam seu pertencimento ao Reich do Imperador, nem ao de Adolf Hitler, e querem fundar seu próprio Estado, ou uma comunidade soberana. Em 2009, o "Principado Germânia", instalado em uma antiga mansão, teve um grande eco midiático, apesar da curta existência (três meses).
Entre os "Reichsbürger", estão conspiracionistas, mas também negacionistas, sobretudo o ex-advogado Horst Mahler, cofundador da organização de extrema-esquerda Facção do Exército Vermelho (RAF) nos anos 1970, e que depois abraçou uma ideologia neonazista.
Quantos são?
De acordo com os serviços de Inteligência Interna, os Reichsbürger englobam cerca de 12.600 pessoas, das quais 700 são de ultradireita. No entanto, segundo alguns especialistas, é difícil avaliar seu número, já que, durante muito tempo, as autoridades não se interessaram por eles.
"O movimento dos 'Reichsbürger' tem um grande potencial de atração e continua ganhando novos simpatizantes", advertiu em março o chefe dos serviços de Inteligência Interna, Hans-Georg Maassen. Como não têm uma estrutura e ideologia comum, os Reichsbürger tampouco têm uma liderança, mas sim múltiplos dirigentes autoproclamados.
À frente de um "Reino da Alemanha", o ex-cozinheiro Peter Fitzek, de 52 anos, tentou entrar na política se apresentando em 2008 à prefeitura de Wittenberg (leste). Foi condenado em março passado a mais de três anos de prisão por abuso de confiança.
Que tipo de perigo representam?
As autoridades alemãs estão preocupadas "com o potencial de violência considerável e com sua crescente agressividade". Vários incidentes armados recentes fizeram que o movimento despertasse maior interesse.
Dois meses antes do caso de Wolfgang P., um ex-vencedor do concurso de beleza "Mister Alemanha" que se declarou "Reichsbürger", atirou em dois policiais que o expulsavam de sua casa. Um dos agentes foi levemente ferido, e ele acabou detido. Alguns políticos pediram uma reação mais firme.
Nos últimos meses, foram realizadas várias operações contra os "Reichsbürger", com prisões e apreensão de armas. E, em junho, os ministros do Interior dos estados regionais alemães decretaram que nenhum "Reichsbürger" da Alemanha pode ter armas.
Segundo Heiko Homburg, responsável pelos Serviços de Inteligência de Brandeburgo, citado pelo popular jornal "Bild", declarou: O caso de "alguns dos 'Reichsbürger' é coisa da psiquiatria". "E, se ainda há um acesso às armas, é extremamente perigoso", advertiu.