O governo catalão reconheceu nesta quinta-feira (21) que a organização do referendo de independência de 1º de outubro foi alterada com a detenção de 14 pessoas nessa quarta-feira (20), incluindo vários funcionários de alto escalão.
"É evidente que as regras do jogo foram alteradas, isso é certo", disse o vice-presidente do governo regional, Oriol Junqueras, à televisão pública catalã, TV3.
Na quarta, a Guarda Civil espanhola prendeu 14 pessoas ligadas à organização da consulta, a qual já foi declarada ilegal pela Justiça espanhola e suspensa, de forma cautelar, pelo Tribunal Constitucional.
Foram detidos cinco funcionários do Ministério regional da Economia, dirigido pelo separatista Junqueras. Entre eles, está o número dois do vice-presidente catalão, Josep Maria Jové, e o secretário da Fazenda, Lluis Salvadó.
Os cinco passaram a noite detidos em um comando da Guarda Civil no centro de Barcelona, relatou uma porta-voz do governo.
Por tudo isso, declarou Junqueras, "as circunstâncias hoje são diferentes, porque boa parte da nossa equipe, metade da equipe de Economia está detida neste momento".
"Que (o referendo) não poderá se realizar nas circunstâncias que queríamos é evidente, porque todos nós gostaríamos que os cidadãos deste país pudessem circular pelas ruas sem serem detidos", acrescentou.
Junqueras considerou que, com as detenções e com a apreensão esta semana de milhares de cédulas de votação, "é evidente que não estamos podendo votar como sempre se fez".
Ele disse, porém, estar "convencido de que a maioria dos cidadãos deste país quer votar e está comprometida com este referendo".
Na terça e na quarta-feiras, as forças da ordem apreenderam quase dez milhões de cédulas de votação, além de convocações que seriam enviadas a cerca de 45 mil assessores.
O vice-presidente catalão insistiu na necessidade de se trabalhar "com vontade de normalidade" e prometeu seguir adiante "para tornar o 1º de outubro possível nas melhores condições".
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Mobilização permanente
Nas ruas, milhares de manifestantes iniciaram nesta quinta uma nova etapa de "mobilização permanente" pelo direito à autodeterminação reivindicado desde 2012.
Desde o meio-dia local (7h, horário de Brasília), uma multidão estava reunida na frente da Corte de Apelações da Catalunha, em Barcelona, para pedir a libertação de 11 pessoas detidas ontem e ainda mantidas sob custódia.
"Continuaremos até que parem de nos ameaçar", garantiu Ana Robredo, de 57, natural da Rioja (norte) e há 40 anos instalada na Catalunha.
"Não tem recuo possível nessa mobilização", apoiou seu marido, Antonio Recacha.
Nesta quinta de manhã, o ministro espanhol da Economia, Luis de Guindos, garantiu que o governo "sempre estendeu a mão" aos separatistas, "com a condição de que respeitassem a legalidade".
Na quarta, o chefe do governo espanhol, o conservador Mariano Rajoy, voltou a pedir que "renunciassem de uma vez por todas a essa escalada de radicalidade e de desobediência".
O Partido Socialista, primeiro da oposição, anunciou seu apoio aos conservadores, pedindo nesta quinta-feira ao presidente da Catalunha, o separatista Carles Puigdemont, que desista do referendo.
"Estamos do lado do Estado de direito", justificou sua presidente, Cristina Narbona.
Por enquanto, parece que a maior certeza é em relação à incerteza sobre "as consequências políticas e sociais" do círculo vicioso repressão-contestação, destacou o jornal "El Mundo".
Ontem, a resposta legal às reivindicações da sociedade provocou muitas críticas na região.
O FC Barcelona, universidades públicas e o prestigioso festival de música Primavera Sound denunciaram as operações policiais. No Grande Teatro do Liceu, símbolo da burguesia da Catalunha, o público entoou o hino catalão na quarta-feira à noite, como mostraram imagens transmitidas pelas redes sociais.
Segundo pesquisas, a sociedade catalã está muito dividida sobre a independência dessa região de 7,5 milhões de habitantes. Nas eleições regionais de 2015, os separatistas receberam 47,6% dos votos, e os defensores da continuidade na Espanha, 51,28%.
Apesar das divergências, as pesquisas apontam que 70% dos catalães são favoráveis a que se decida essa questão por meio de um referendo legal.