POLÍTICA

Crise catalã, o novo quebra-cabeça para a União Europeia

A Comissão Europeia pediu o diálogo pela primeira vez, mas com o cuidado de não irritar Madri

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Publicado em 06/10/2017 às 13:35
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A Comissão Europeia pediu o diálogo pela primeira vez, mas com o cuidado de não irritar Madri - FOTO: Foto: LOLA BOU/AFP
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O referendo sobre a independência da Catalunha se tornou um novo quebra-cabeças para uma União Europeia, que esperava deixar para trás uma década de crises existenciais, da financeira ao Brexit, passando pela migratória.

"De certo modo, a UE é uma instituição feita para tempos felizes. Quando tudo vai bem, funciona bem. Mas assim que surge um problema, encontra enormes dificuldades para posicionar-se e atuar", avalia Stefani Weiss, diretora do escritório da Fundação Bertelsmann em Bruxelas.

"Este problema era percebido há tempos", disse a especialistas se referindo à preparação há anos dessa consulta pelos separatistas catalães. "Mas não recebeu a atenção necessária" em Bruxelas, disse.

Prova disso é a posição da UE de limitar-se a comentar que é um "assunto interno" de Espanha antes do referendo, em um bloco onde existem outros movimentos separatistas nos Flandes, na Escócia e no País Basco, por exemplo.

Após o uso da força policial no domingo (1º) contra os eleitores que queriam votar neste referendo proibido pela justiça espanhola, a Comissão Europeia pediu o diálogo pela primeira vez, mas com o cuidado de não irritar Madri.

O executivo comunitário reiterou assim que o referendo não respeitava a Constituição espanhola e, embora na segunda-feira tenha condenado a violência como "instrumento de política", justificou dias depois um "uso proporcional da força" para garantir a "supremacia do direito". 

Efeito 'dominó'

Salvo na Bélgica, onde os nacionalistas flamencos são um peso-pesado da coalizão governante, e na Eslovênia, país nascido de uma cisão da antiga Iugoslávia, as capitais europeias silenciam ou mostram seu forte apoio ao presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy.

Os países mais descentralizados temem inclusive que o precedente catalão inspire outras regiões com aspirações separatistas, criando uma reação em cadeia que torne o atual bloco ingovernável.

"Se hoje vocês deixam que a Espanha se rompa pela Catalunha, uma fila de peças de dominó cairá por todo o continente. No lugar de uma Europa de 27, teremos uma não Europa de mini Estados", advertiu de forma dramática o eurodeputado espanhol Esteban González Pons, do partido de Rajoy.

A UE sobreviveu à crise financeira mundial de 2007/2008 e à posterior crise da dívida que quase resultou na saída da  Grécia da zona do euro em 2015.

Mas não se recuperou totalmente da brecha aberta pela crise migratória entre os países do Leste e do Oeste do bloco. E luta ainda contra a Polônia e a Hungria por suas políticas julgadas contrárias aos valores europeus, enquanto negocia com o Reino Unido sua retirada, prevista para março de 2019.

"A Europa está novamente de vento em popa", disse no começo de setembro o titular na Comissão, Jean-Claude Juncker, em seu discurso sobre o estado da União, ressaltando que o pior já havia passado em um contexto de queda do desemprego e tímida recuperação.

'Nova pedra'

Juncker não contava na época com a crise catalã que "é claramente uma nova pedra no sapato" da UE, segundo Frédéric Allemand, pesquisador da Universidade de Luxemburgo.

"Durante esse tempo, os europeus podiam minimizar verdadeiros desafios, de ameaças globais a segurança (Coreia do Norte, terrorismo, conflitos no Oriente Médio) e a concorrência econômica mundial", explica Weiss.

Apesar dos pedidos de mediação feitos pelos separatistas, eurodeputados e especialistas acreditam que "à UE não interessa entrar em uma mediação", já que isso "legitimaria os separatistas", afirma Allemand, lembrando que os tratados europeus não preveem o caminho a seguir em caso da cisão de um território de um país do bloco.

Na Espanha, o Tribunal Constitucional suspendeu o referendo catalão, tornando impossível para a UE, um clube de 28 Estados fundado no direito, ignorar a ordem constitucional de cada um de seus países. 

Neste contexto, o referendo de independência da Escócia em 2014, que não ganhou por 55% dos votos, foi realizado com um permissão de Londres, o que teria permitido uma separação negociada.

Para os separatistas catalães, Bruxelas perdeu credibilidade. Eles acusam a Comissão, que não hesitou em lançar um alerta a Varsóvia sobre seu Estado de direito, de deixar de lado os "7,5 milhões de cidadãos europeus" desta região do nordeste da Espanha, onde se teriam atacado "os direitos fundamentais, especialmente a liberdade de expressão".

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