Leia Também
De uniforme verde oliva, botas militares, boina preta com estrela na frente, barba e cabelos suavemente ondulados, Humberto passa altivo em seu jipe Willys pelas ruas de Caracas: "Ei, Che! Como estão as coisas?" - gritam quando ele passa.
Após responder à saudação com um aceno de mão, inclina a cabeça e acende um charuto. Enquanto solta a fumaça, olha fixamente sob suas sobrancelhas grossas, certo de sua indiscutível semelhança com o personagem histórico que encarna.
Conhecido como o 'Che venezuelano', Humberto López adotou em sua vida o porte, imortalizado pelo fotógrafo Alberto Korda, do guerrilheiro argentino-cubano Ernesto 'Che' Guevara.
Quando o "Che" foi executado há exatamente 50 anos por um soldado em uma cidadezinha do sul da Bolívia, seu admirador tinha apenas nove anos. Desde então se vangloria do que ouviu de Guevara.
Nascido na comunidade 23 de Enero, onde está sepultado o líder socialista Hugo Chávez, ele conta que quando era pequeno desenhava a imagem do guerrilheiro em paredes e cadernos.
"A alguns 'chamitos' (meninos) recomendavam o Super-homem... Eu seguia o Che", relata López à AFP em uma esquina do centro de Caracas, sentado em seu jipe, que na parte da frente traz uma placa vermelha, onde se lê "Chávez" em letras brancas.
"Mais realista que comunista"
Apesar da simpatia por Chávez e por Guevara, o 'Che venezuelano' é crítico do presidente Nicolás Maduro e da severa crise que o país petroleiro atravessa, com escassez de comida e uma inflação fora de controle.
"Quando Chávez governava, as pessoas, até da própria oposição, diziam que era muito bom, mas o que o rodeava não prestava. Pois o que o rodeava é o que está governando agora", afirmou.
Na sua opinião, nem Maduro é um "ditador", como dizem seus adversários, nem a Venezuela é socialista: "Nunca saboreamos, nem desfrutamos do que é o socialismo", assegurou.
"E ditador Maduro? É grande demais essa palavra, acho que o que existe ao melhor é uma anarquia, porque ele diz: 'vamos controlar os preços' e no dia seguinte aumentam", criticou.
Se o Che ressuscitasse, diz, voltaria para o túmulo. "Uma embalagem de ovos custa agora o que custava um carro nos anos 70", diz, abrindo os olhos grandes, erguendo os ombros.
Mas o 'Che venezuelano' nega que tenha "virado a casaca". Os opositores, afirma, "são os mesmos misantropos que já nos governaram mal".
"Os políticos nos manipulam tanto de um lado quanto do outro. É preciso buscar uma terceira via, um nacionalismo verdadeiro", acrescentou.
"Mas o povo tem ainda essa esperança de que vai haver uma mudança. Eu não a vejo perto, vejo sim uma implosão social. Não vamos aguentar tanto. Eu sou mais realista do que comunista!" - concluiu.
"Eu sou o Che"
Uma vez, durante uma transmissão televisiva - lembra -, Chávez disse a Fidel Castro que na Venezuela também havia um "Che". Mas Humberto se descreve como um seguidor de suas ideias, mas não um fanático, nem um imitador.
"O fanatismo transforma você em um idiota. Se o Che era marxista, eu não sou. Sou nacionalista. Discordo do Che, que dizia 'ao imperialismo nem um tantinho assim'. Eu digo: 'ao imperialismo chinês nem um tantinho assim'", diz, juntando as pontas dos dedos indicador e polegar.
Para o 'Che venezuelano', a Venezuela deve negociar com os Estados Unidos, a empresa privada e os investidores porque "aqui não produzimos nada".
Para além de divergências e semelhanças com o Che, Humberto rejeita tanto a imagem do herói rebelde estampada em "camisinhas, sutiãs, calcinhas e chaveiros", como a do assassino comunista impiedoso que os detratores do guerrilheiro promovem.
"Falar do Che é falar do homem novo, de criar homens que ajam por instintos morais e não por dinheiro. E acho que neste século XXI não há nenhum ser humano que tenha seguido seu legado", lamentou.
Humberto ganhou a vida como mecânico, eletricista e pintor, mas sobretudo é um ativista seguidor de Chávez e do Che Guevara.
Dirigindo seu jipe por uma rua movimentada, entre edifícios de onde se veem enormes cartazes de Chávez e Maduro, explica o que é "ser o Che no caminhar, no agir, o não invejoso, nem intrigante, o não falso": "o Che dizia que a mentira é a antessala da traição. E é assim".
"Eu sou o Che", sentenciou.