O papa Francisco volta na segunda-feira (15), pela sexta vez, à América Latina, mas evita de novo seu país natal, a Argentina, um gesto significativo que gera muitos questionamentos.
"Em todas as viagens, ele corre o risco de ser manipulado. Mas, na Argentina, o risco é mais elevado", explica à AFP o historiador italiano Gianni La Bella, da Comunidade de São Egídio, mais conhecida como braço diplomático do Vaticano em mais de 60 países.
O primeiro papa latino-americano da história, em quase cinco anos de pontificado visitou boa parte dos países que cercam sua natal Argentina, começando pelo Brasil, Paraguai, Bolívia e passando pelo Equador e Colômbia.
Em todos, com exceção do Uruguai, que ainda não visitou, fez apelos à reconciliação, paz e diálogo, ofereceu seus bons ofícios e propiciou acordos.
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No entanto, muitos observadores, tanto no Vaticano como na Argentina, consideram que suas mensagens têm um peso distinto em seu país, onde são interpretadas como intervenções políticas e verdadeiras alfinetadas contra as medidas neoliberais do presidente Mauricio Macri, como a controvertida recente lei de previdência.
"Acho que Francisco teme que a forte polarização que a Argentina vive vai impedi-lo de desenvolver sua função pastoral", assegura La Bella, que acompanhou Francisco em sua delicada visita de setembro passado à Colômbia, país devastado por mais de 50 anos de conflito armado.
Gustavo Vera, um dos ativistas sociais mais ligados a Jorge Mario Bergoglio antes de ele fosse eleito papa, defende que o pontífice "sempre foi um partidário da cultura do encontro, da cultura do diálogo, da cultura de buscar os pontos em comum para poder trabalhar em longo prazo em benefício da comunidade".
"Acho que a Argentina ainda não amadureceu para uma situação de consenso, de diálogo, de gerar políticas de Estado de verdade", acrescentou.
Unindo ou dividindo
A exclusão da Argentina em suas viagens parece ser uma decisão bem pessoal do papa.
"Trata-se de não ser um fator que gere divisão, oportunismo, sectarismo. ACho que ele está deixando para o final. Acho que Francisco vai vir a seu querido país, a sua querida pátria, quando sentir que é um fator que une, um fator que gera condições de diálogo, condições de consenso", assegura Vera.
A vaticanista italiana Franca Giansoldati enumerou recentemente as várias possíveis razões pelas quais Francisco não se decide a visitar sua terra, onde provavelmente seria recebido por verdadeiras multidões.
"Para evitar o risco de ser usado pelo atual governo com o qual não compartilha sua política social, para evitar privilegiar sua pátria em relação a outras nações porque, como papa, quer assumir um papel universal, para evitar a nostalgia e o desejo de voltar aos lugares amados e queridos", resumiu.
Em pelo menos cinco ocasiões oficiais, os bispos argentinos convidaram Francisco a visitar sua terra.
Apesar disso, a Argentina de novo não foi incluída em sua agenda para 2018, segundo antecipou o porta-voz do Vaticano.
"O mundo é maior que a Argentina e é preciso se dividir. Deixo nas mãos do Senhor que Ele me indique a data", explicou o papa no ano passado.
O fato de Francisco descartar tão taxativamente uma visita à Argentina gera rios de especulações, divide as pessoas e alimenta a mídia.
"Certamente tem seus motivos ou conhece muito bem a situação do país para não vir.. Acho que é uma espécie de castigo para o governo Macri, que merece isso", afirma Julián, um aposentado argentino de de 65 anos.