Sua vida mudou em questão de segundos, em uma tarde de abril de 2013, quando foi desfigurada com ácido por ordem do ex-namorado.
Depois dessa atrocidade, Lucia Annibali, uma advogada de 40 anos que não se deu por vencida, decidiu dedicar sua vida à luta contra a violência machista e, por isso, aceitou se lançar como candidata em Parma (norte da Itália), nas eleições legislativas do próximo domingo.
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Em uma campanha dominada pelo tema dos imigrantes e da insegurança, Lucia, nascida em Urbino (centro), representa o rosto mais real e concreto da violência de gênero, do assédio, da perseguição e das ameaças sofridas por milhares de mulheres na Itália e no mundo.
"Esperamos que uma mulher que demonstrou essa capacidade para voltar a começar a própria vida saiba usar esse potencial para a política", diz à AFP Enrico Bruschi, dono de uma farmácia do centro da cidade.
Na encantadora cidade de Emilia-Romagna, bastião histórico da esquerda, Lucia Annibali se apresenta sob a bandeira da formação de centro-esquerda, o Partido Democrático, atualmente no poder.
"Depois daquele ataque, eu comecei a pensar na melhor maneira de reorientar minha vida", diz à AFP essa mulher que se tornou símbolo de coragem e de resistência.
"Tinha de fazer um melhor uso do meu ofício de advogada e entendi que o compromisso político podia ser o correto", disse.
Novo desafio
A decisão de se apresentar em Parma foi mais fácil do que pensava: ela deve a vida a essa cidade. Ela foi salva quando a internaram em um pavilhão de queimados na tarde de 16 abril de 2013, depois que dois albaneses jogaram ácido sulfúrico em seu rosto. Eles receberam 2.000 euros de seu ex-namorado para executar o serviço.
"Sentia que meu rosto se corroía, não podia deixar de gritar. Sentia milhares de bolhas nas minhas bochechas e lembro que pensei em tirar a pequena jaqueta de couro que eu vestia para evitar que estragasse, como se isso fosse importante", lembra.
A investigação judicial chegou rapidamente à verdade e, em 2016, um tribunal condenou o ex-namorado, Luca Varani, a 20 anos de prisão. Os albaneses tiveram uma sentença de 12 anos de prisão cada.
Desde o final de 2016, Lucia Annibali trabalha como assessora do Ministério para a Igualdade das Mulheres e das Oportunidades.
"Estou pronta para algo novo", garante a advogada, que se submeteu a 20 intervenções para tentar reconstruir o rosto. Apesar de tudo, ela ainda leva as marcas da agressão.
'Armadas de coragem'
Segundo o primeiro estudo europeu publicado em 2014 pela Agência de Direitos Fundamentais da União Europeia (UE), na Itália, 27% das mulheres acima de 15 anos já sofreram violência física ou sexual.
Uma número abaixo da média europeia, que é de 33%. Em países como Dinamarca, chega a 52%; Finlândia, a 47%; França e Reino Unido, a 44%.
Para os autores do relatório, são números relativos, já que, em boa parte dos países do sul da Europa, as mulheres ficam em silêncio e temem denunciar a violência sofrida.
Várias pesquisas realizadas na Itália mostram uma brecha significativa entre o número de mulheres que confessam terem sido vítimas de violência e abusos de gênero e as que chegam a apresentar denúncia.
"Agora, fala-se muito desses casos na Itália, porque as mulheres, nos últimos anos, seguiram o exemplo de outras mulheres e se armaram de coragem para falar", explica Lucia Annibali, que contou sua história em uma biografia publicada em 2014.
Desde o início, a advogada permitiu que tirassem fotos de seus olhos inchados e irritados, dos enxertos de pele, dos lábios corroídos.
Baseado em sua vida, um filme para a televisão teve quase cinco milhões de telespectadores.
"Minha vida mudou positivamente após a agressão", reconhece Lucia.
"É que recuperar a visão, como me acaba de acontecer, ou reaprender a comer, são todas conquistas que fazem você apreciar a vida e seu verdadeiro valor", explicou ela.