O Peru fechou, neste sábado (25), sua fronteira aos imigrantes venezuelanos sem passaporte, mas continua permitindo a entrada daqueles na qualidade de refugiados, na pior crise humanitária da América Latina em tempos de paz.
A obrigação de apresentar um passaporte para entrar no Peru entrou em vigor às 00h00 (02h00 de Brasília), depois que milhares de venezuelanos chegaram às pressas nos últimos dias no Centro Binacional de Tratamento Fronteiriço de Tumbes procedentes do vizinho Equador, após cruzarem a Colômbia.
Os funcionários da imigração entregaram senhas para dezenas de venezuelanos que fizeram fila para garantir a entrada no Peru com ou sem passaporte, e, em seguida, fecharam a fronteira, que tradicionalmente funciona 24 horas por dia.
Horas depois, os funcionários peruanos reabriram a fronteira e permitiram o ingresso de centenas de venezuelanos sem passaporte, mas exigiram a apresentação de uma solicitação de asilo. Esse pedido permite que permaneçam legalmente no país até a solução definitiva de sua situação.
"Por sorte, tudo deu certo e eu conseguir solicitar asilo", declarou à AFP Alejandra Osta, de 19 anos, após formalizar o pedido no posto de fronteira perto de Tumbes.
EXIGÊNCIA
Diante do êxodo de venezuelanos fugindo da crise econômica sem precedentes no país produtor de petróleo, a Justiça equatoriana suspendeu na sexta-feira a medida imposta pelo governo para exigir passaporte. Um documento quase impossível de obter em uma Venezuela sem papel.
Mas o governo de Quito reagiu imediatamente à decisão judicial e emitiu uma declaração informando que só entraria no país os imigrantes venezuelanos com um "certificado de validade da identidade emitido por um organismo regional ou internacional reconhecido pelo governo do Equador".
No entanto, neste sábado, praticamente todos os venezuelanos sem passaporte eram admitidos graças à solicitação de asilo, uma solução pragmática para o completo problema.
Dadas as restrições para entrar no Peru, alguns venezuelanos escolheram ficar no Equador, entre eles Lourdes Ruiz, de 36 anos, há um mês viajando com a intenção de chegar a Lima.
"Vamos ficar aqui porque sabemos que o Peru entrou em colapso. Também porque não temos ninguém para nos receber", declarou à AFP no lado equatoriano da fronteira.
"Pensava em ir para o Peru, mas decidi ficar aqui", afirmou Edison Rivas, um estudante de engenharia que congelou sua carreira pela crise econômica. "Já não conseguia comprar um quilo de arroz, menos ainda pagar a faculdade", explicou.
Nos postos fronteiriços do Equador e do Peru, a seis quilômetros de distância um do outro, foram adotadas medidas de emergência para lidar com a avalanche de imigrantes.
Em ambos os postos, funcionários e organizações humanitárias distribuíam alimentos aos imigrantes, muitos deles com crianças pequenas.
No lado equatoriano foram instaladas três tendas com 25 colchonetes.
Neste posto fronteiriço, apesar dos reforços, os funcionários estão sobrecarregados. De cerca de 200 viajantes por dia, eles passaram a atender mais de 2.500 venezuelanos e em alguns dias desta semana mais de 6.600.
Alguns tiveram que andar centenas de quilômetros, carregando crianças pequenas e arrastando malas. Outros fizeram a viagem graças à ajuda de caminhões, veículos particulares ou ônibus.
"As crianças estavam cansadas, tontas, porque a viagem foi bastante complicada", descreveu Carolina Velandria, de 36 anos, que chegou à fronteira com seus quatro filhos, entre um e 15 anos, para se juntar ao marido, que chegou em Lima há cinco meses.
Mas chegar à fronteira peruana não é o fim da odisseia. Seguir até Tumbes, 25 km ao sul, custa 10 dólares de táxi, único meio autorizado. E de Tumbes até Lima, trajeto de 1.200 km que demora 20 horas de ônibus, custa 35 dólares.
Mais de 2,3 milhões de venezuelanos vivem no exterior, dos quais mais de 1,6 milhão saíram a partir de 2015 devido ao ressurgimento da crise econômica e política. Cerca de 90% foram para países da América Latina, segundo dados do escritório da ONU para os refugiados (ACNUR) e da Organização para as Migrações (OIM).
Mais de um milhão entrou na Colômbia nos últimos 16 meses e cerca de meio milhão no Peru, enquanto o Equador, país de trânsito, as autoridades estimam que vivem 200.000, mais de meio milhão na Argentina e cerca de 115.000 no Chile.
No Brasil, onde de acordo com a Polícia Federal, de 2015 a junho de 2018, um total de 56.740 venezuelanos solicitaram asilo ou residência, é difícil determinar quantos chegaram no país.