Diversas entidades estudantis organizaram ao final da tarde desta sexta-feira (26) uma manifestação em frente ao edifício do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ), no centro da capital fluminense. O ato foi convocado após várias universidades públicas de todo o país terem sido alvo de ações de fiscais e de policiais, sob a justificativa de verificarem denúncias envolvendo propagandas eleitorais irregulares. Os episódios ocorreram a poucos dias do segundo turno das eleições, no domingo (28), quando os brasileiros escolherão o próximo presidente do país entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT).
Do TRE-RJ, os estudantes seguiram em manifestação pelas ruas do centro do Rio, passando pela Candelária, e encerrando o ato na praça da Cinelândia. Entre cartazes e palavras de ordens, os estudantes acusaram o Justiça eleitoral de censurar as universidades. Uma das lideranças do ato, Maria Clara Delmonte, estudante de gestão pública e membro do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirmou que as manifestações coibidas eram relacionadas à crítica ao fascismo e não estavam diretamente relacionadas a nenhum candidato. "É muito simbólico e abre um precedente muito grave de ameaça à nossa democracia e à autonomia das universidades. É um abuso da Justiça eleitoral". Ela disse acreditar ter se tratado de uma ação organizada, pois ocorreu simultaneamente em diversos estados do país. O Colégio de Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) negou se tratar de ação orquestrada.
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A manifestação mobilizada pelas redes sociais começou pouco antes das 16h e contou com o apoio de professores e juristas. Uma comissão conseguiu ser recebida pelo presidente do TRE-RJ, desembargador Carlos Eduardo da Fonseca Passos. O grupo teve participção de representantes da União Nacional dos Estudantes (UNE), da Federação Nacional dos Estudantes de Direito (Fened) e dos centros acadêmicos das faculdades de direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
"Foi muito grave o que ocorreu, por isso é importante essa reunião pra trazer um desagravo", avaliou Paulo Henrique Lima, integrante do centro acadêmico do estudantes de direito da UFF, entidade que já havia organizado uma manifestação na noite ontem (26). Fiscais do TRE-RJ estiveram na Faculdade de Direito um dia antes, quando determinaram a retirada de uma bandeira com os dizeres “Direito UFF Antifascista”, que estava na fachada do edifício. Na ocasião, eles também percorreram corredores, entraram em salas de aula e questionaram o conteúdo ministrado por uma professora.
"Se um juiz entende que há algum candidato associado ao fascismo, ele nem poderia ser candidato, pois a apologia ao fascismo é crime", disse Paulo Henrique Lima. A Lei Federal 7.716/1989 estabelece reclusão de dois a cinco anos para quem "fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo".
Ações similares ocorreram em unidades das universidades federais do Rio de Janeiro (UFRJ), de Grande Dourados (UFGD), do Amazonas (UFAM), de Campina Grande (UFCG) e do Piauí (UFPI), entre outras. Em algumas instituições, foi impedida a realização de eventos. Outro alvo de medidas judiciais foi o estudante da Universidade Católica de Petrópolis, Felipe César Santiago, diretor da Fened que também participou da reunião com o presidente do TRE-RJ. No mês passado, um juiz determinou que fiscais fossem até sua casa realizar busca e apreensão de fichas de inscrição e lista de presença do Encontro Regional dos Estudantes de Direito. "Eu já havia ido ao tribunal prestar depoimento. Esses documentos não estavam comigo. Eu fui responsável apenas pela organização das palestras do evento. Mas o TRE ignorou e acabou não encontrando nada".
Entidades
Na reunião com o presidente do TRE-RJ, também subiram junto com os estudantes o diretor da Faculdade de Direito da Uerj, Ricardo Lodi, e o conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), Carlos Henrique de Carvalho. Segundo o conselheiro, o volume de ações simultâneas causa estranheza. "As medidas do TRE-RJ devem ser sempre no sentido de garantir a paz nas eleições. E o que ocorreu foi o inverso. As medidas geraram tensão na eleição. As universidades sofreram uma interferência que não se via desde a época da ditadura militar. Isso é fato", avaliou. A OAB-RJ já havia divulgado nota acusando a ocorrência de censura a livre expressão de estudantes e professores
Carlos Henrique disse, no entanto, que o presidente do tribunal se mostrou aberto ao diálogo. "Embora tenha considerado injustas as palavras ditas pelos estudantes nas ruas, ele se demonstrou uma pessoa sensível, de viés democrático", disse o conselheiro, referindo-se à principal palavra de ordem que tomou conta do ato: "a verdade é dura, o TRE apoia a ditadura".
Em uma coletiva de imprensa, dirigentes alertaram para o perigo à democracia que os atos representavam. A secretária-geral do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), Eblin Farage, demonstrou temor que a invasão de campi e a violência contra estudantes e funcionários possam continuar ocorrendo, independentemente do fim das eleições. “Em 40 anos, nós nunca vivemos algo como o que está acontecendo. Estamos vivenciando ameças dentro das universidades. Isto é inadmissível. Parece uma ação organizada da Justiça Eleitoral no país. É o fim da democracia”.
A representante da Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (Fasubra), Valdenise Ribeiro, relatou que os ataques à liberdade de expressão ocorreram nos últimos dias em várias regiões do país. “Isto aconteceu no país todo. Foram mais de 20 universidades. Existe um processo de cercear os movimentos sociais e estudantis. Mas não vamos nos intimidar. Vamos resistir ao fascismo”, destacou Valdenise. Também participaram da coletiva representantes do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe), Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) e Federação Nacional dos Estudantes em Ensino Técnico (Fenet).
A Defensoria Pública da União (DPU) também se manifestou por meio de uma recomendação aos reitores das universidades para que seja assegurada, sem qualquer cerceamento, à liberdade de expressão, "a livre iniciativa de seu corpo docente, discente e servidores na promoção e efetivação do princípio da autonomia universitária, referente a qualquer tipo de manifestação de ideias, desde que se coadune com os pilares constitucionais de democracia, liberdade, justiça, solidariedade, diversidade e demais direitos fundamentais".