À espera que uma nova onda de acusações de corrupção se abata sobre Brasília, o presidente Michel Temer construiu um bunker para limitar o potencial nocivo que as temidas delações da cúpula de Odebrecht pode ter sobre seu governo.
A Operação "Lava Jato" há quase três anos sacode as elites políticas e econômicas do país, mas, longe de diminuir seu impacto, promete uma escalada de denúncias para os próximos dias.
Os procuradores estão investigando se Temer e outros políticos principalmente pertencentes ao PMDB participaram na mega-rede de propinas e desvios milionários de fundos da Petrobras para financiar suas campanhas eleitorais.
O nome do presidente e alguns de seus aliados estão entre os citados nas delações premiadas dos 77 altos executivos da Odebrecht.
As chamadas "delações do fim do mundo" e seu potencial explosivo seguem sob sigilo judicial, mas podem ser divulgadas em breve pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
"A aproximação do tsunami levou o governo a acionar o plano de emergência", afirmou Bernardo Mello Franco, colunista da Folha de São Paulo.
"A ordem é reforçar os diques e tentar proteger os amigos com boias e coletes salva-vidas", acrescentou.
Protegendo o presidente
Segundo um testemunho que vazou, o então vice-presidente Temer pediu à Odebrecht, em 2014, que desse ao PMDB alguns milhões de dólares de fundos para campanhas.
Temer nega qualquer envolvimento e, como presidente em exercício, não pode ser processado por delitos que supostamente ocorreram antes de assumir seu cargo. Mas, com um grande número de colegas potencialmente envolvidos, o escândalo pode complicar sua situação e, além do mais, o MP calcula que o número de investigados poderá dobrar.
Quando o juiz relator do caso no STF, Teori Zavascki, morreu em um acidente de avião em janeiro, muitos se preocuparam com o futuro da "Lava Jato", enquanto outros questionaram se o acidente que aconteceu justamente durante a homologação das delações foi mesmo um acidente.
O STF, no entanto, mostrou-se determinado a seguir em frente e os analistas afirmam que o círculo mais próximo de Temer está lutando para obter todas as vantagens que puder, como nomear o ministro da Justiça Alexandre de Moraes, uma figura de perfil muito político, para ocupar a vaga de Zavascki no STF.
"Temer não está sendo sutil", enfatizou a colunista de econmia do jornal O O Globo Míriam Leitão, para quem o presidente "quer se assegurar de ao menos um voto a seu favor".
Pouco antes, Temer nomeou para ministro um de seus colaborados mais próximos, Moreira Franco -também citado na "Lava Jato" -, uma visível manobra muito criticada para tentar afastar o amigo do alcance da operação comandada pelo juiz Sérgio Moro.
A nomeação gerou uma batalha de pareceres de magistrados sobre se Moreira podia ou não assumir o cargo, o que, por fim, será resolvido pelo STF.
Tensão em Brasília
Além do governo, os recém-eleitos presidentes do Senado, Eunicio Oliveira, e da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia, também estão envolvidos na "Lava Jato", assim como seus antecessores Renan Calheiros e Eduardo Cunha.
Maia atraiu os focos esta semana por ter tentado tramitar uma lei para reduzir a punição para partidos que aceitarem doações suspeitas.
Mas o juiz Gilmar Mendes - que é tido como o mai reticente em relação à investigação da "Lava Jato"- acusou o Congresso de elaborar uma lei "que dará impunidade aos partidos políticos que façam malversação de fundos públicos", e Rodrigo Maia teve que dar marcha a ré.
David Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília, descreve a situação como se a classe política de Brasília se estivesse "à espera do fim do mundo".
"E todo mundo está construindo portas corta-fogo", acrescentou.