O interrogatório de quase 5 horas que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu ao juiz federal Sérgio Moro resultou em diálogos dignos de um romance judicial, com espaço, inclusive, para diálogos sobre futebol ou bullying.
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Lula foi interrogado por suspeitas de que teria ganhado um tríplex no Guarujá, no litoral de São Paulo, como retribuição de favores outorgados à empreiteira OAS, envolvida no escândalo de propinas na Petrobras.
O ex-presidente de esquerda (2003-2010), de 71 anos, negou as acusações e denunciou o processo liderado pelo jovem juiz - convertido em um emblema nacional anticorrupção - como uma "farsa" destinada a bloquear seu retorno ao poder em 2018.
Moro: "qualquer desavença pessoal"
Ao iniciar o interrogatório, Moro disse a Lula que ele seria tratado com "o máximo respeito" e, para que fique "absolutamente tranquilo", afirmou que seu depoimento era rotineiro e que não concluiria sua prisão preventiva, após rumores apontarem para isso.
Moro: "senhor ex-presidente, eu queria deixar claro que embora existam algumas alegações nesse sentido, da minha parte não tem qualquer desavença pessoal em relação ao senhor ex-presidente. Quem vai definir o resultado [do julgamento] são as provas e a lei".
Lula: "pelo amor de Deus, apresentem uma prova!"
Visivelmente incomodado em boa parte de seu depoimento, Lula lançou: "se cometi um crime, prove que eu cometi um crime. Apresente à sociedade e o Lula será punido tanto como qualquer cidadão [...]. Mas pelo amor de Deus, apresentem uma prova!".
"Ninguém sabia" da corrupção na Petrobras
Quando Moro perguntou ao ex-presidente se ele estava ciente da má gestão na Petrobras, Lula respondeu: "Não. Nem eu, nem o senhor, nem o Ministério Público, nem a Petrobras, nem a imprensa, nem a Polícia Federal. Todos nós só ficamos sabendo [das primeiras suspeitas] quando foi pego no grampo".
Moro replicou: "o senhor que indicou ele [um dos envolvidos no caso] ao Conselho de Administração da Petrobras. É uma situação diferente de mim".
Lula e o "bullying" a seus netos
Em sua declaração final, Lula disse ser vítima da "maior caçada jurídica que um presidente ou político brasileiro já teve", algo que atribui ao seu passado como operário.
Lula: "Quando eu fui eleito em 2003, eu tinha um compromisso de fé [...]. Eu dizia para mim, todo santo dia, que eu não tinha o direito de errar, porque se eu errasse, a classe trabalhadora nunca mais iria eleger alguém do andar de baixo. Presidência da República não foi feita para metalúrgico, para quem não tinha diploma universitário [...]".
Moro o interrompeu: "senhor presidente, as declarações finais não servem para [dar] posições políticas, mas sim as relativas ao processo".
Lula: "doutor Moro, espero que o senhor tenha paciência".
Moro: "não sei quanto vai durar seu pronunciamento final, não é para fazer um apanhado do que você fez no seu governo, não é programa eleitoral".
Lula: "é que eu estou sendo julgado pelo que eu fiz no governo [...]. Eu sou obrigado a dizer o que foi feito comigo. Eu tenho 71 anos de idade, cinco filhos e oito netos. Nunca ninguém que me acusou considerou que netos meus, com cinco anos, que estão na escola, sofrem bullying todo santo dia por conta de mentiras".
As 12 partidas do Barça
Lula denuncia um cerco midiático e do MP - que o assinala como o "líder máximo" da rede de corrupção - como se fosse um bandido de faroeste "procurado vivo ou morto".
O símbolo da esquerda fez uma compilação das vezes que a grande mídia "falou mal" dele e relembrou as mais de 18 horas em que, para ele, foi o principal tema do Jornal Nacional, da TV Globo, no último ano.
"Sabe o que significa 18 horas falando mal de um cidadão? Significa 12 partidas de futebol entre o Barcelona e o Atlético de Madrid!", se exaltou Lula.
Moro: "padeço dos mesmos males que o senhor"
Ao fim do interrogatório, Lula questionou o próprio Moro sobre os constantes vazamentos judiciais à imprensa.
Lula: "o senhor, sem querer, talvez, entrou no processo. O vazamento de conversas com minha mulher, e dela com meus filhos, foi o senhor quem autorizou. [...] Agora queria lhe avisar uma coisa: esses mesmos que me atacam hoje, se tiverem sinais de que serei absolvido... Prepare-se, porque os ataques ao senhor serão muito mais fortes [...]".
Moro: "infelizmente já sou atacado por muita gente, inclusive por blogs que supostamente patrocinam o senhor. Padeço dos mesmos males que o senhor, em certa medida. Entretanto, vou encerrar aqui essas declarações, mas lhe asseguro que será julgado com base nas leis e nas provas do processo. Fique seguro quanto a isso".
"Assim espero, doutor", concluiu Lula.