A Noruega alerta que os cortes no orçamento do Ibama explicam o aumento no desmatamento na Amazônia e defende que o veto do presidente Michel Temer às medidas provisória que reduziam a área de proteção ambiental não é suficiente para tranquilizar os doadores internacionais.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo às vésperas da chegada de Temer ao país, o ministro do Meio Ambiente da Noruega, Vidal Helgeser, não hesitou em cobrar. Na semana passada, ele já havia enviado uma carta ao ministro José Sarney Filho criticando a situação ambiental no País. Agora, ele deixa claro que, se a atual tendência continuar, será "obrigado" a anunciar cortes nas doações. A Noruega é o maior doador ao Fundo da Amazônia e já destinou ao Brasil US$ 1,1 bilhão. Mas, para 2017, a liberação de recursos será examinada.
Também em carta, Sarney Filho respondeu Helgeser declarando que espera continuidade nas parcerias e que seria ainda "prematuro" avaliar que os repasses ao fundo serão limitados. Segundo Sarney Filho, que acompanha o presidente Michel Temer em sua passagem pela Europa, há sinalizações de que as taxas de desmatamento voltarão a cair, após uma forte escalada entre 2014 e 2016. Procurado, o Ministério do Meio Ambiente não foi encontrado para responder às críticas feitas pelo norueguês.
Na esperança de reduzir a pressão, Temer vetou uma medida provisória que reduzia a área de proteção ambiental no Estado do Pará. A MP 756 foi aprovada na Câmara dos Deputados e alterava os limites da Floresta Nacional do Jamanxim. Apesar de vetar a MP, Temer não explicou qual seria sua política ambiental. "Essa é a verdadeira pergunta", alertou o norueguês, que nesta quinta-feira (22) se reúne com José Sarney Filho. Segundo ele, Temer será cobrado nas reuniões de sexta-feira (23).
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Eis os principais trechos da entrevista:
Vimos a carta que o sr. enviou ao governo brasileiro, alertando que a política ambiental está indo na direção contrária ao que o sr. esperava. Por qual motivo o sr. está preocupado com a situação ambiental no Brasil?
A razão para nossa iniciativa é o papel incrivelmente importante que as florestas têm para o clima global. Depois do Acordo de Paris, isso é ainda mais importante. Temos ambições ainda maiores para políticas ambientais. E por um motivo: estamos vendo as mudanças climáticas ocorrendo de uma forma cada vez mais rápida do que ocorriam há dez anos. O papel das florestas, portanto, corresponde a um terço das respostas de mitigação que precisamos. Agora, cabe inteiramente aos governos de nossos parceiros desenhar suas políticas. Isso também é o caso do Brasil. A iniciativa não é para que a Noruega dite ao Brasil o que deve ser feito. Mas estamos relembrando nossos amigos que a cooperação está baseada em resultados. E vimos grandes resultados na última década no Brasil e uma tendência preocupante nos últimos dois anos. Tivemos boas discussões com o ministro José Sarney Filho sobre as ações sendo tomadas. E esperamos que possamos ver um retorno a uma tendência positiva. Caso contrário, seremos obrigados a dizer que vamos reduzir o montante de nosso apoio.
Na carta, o sr. alertou sobre o risco de conflitos sociais e violência por conta de uma política ambiental falha. Além da questão climática, o sr. teme por um impacto social?
Começamos a iniciativa como uma política sobre o clima. Mas reconhecemos cada vez mais o papel das comunidades que estão nesses locais, como nas florestas. Também passamos a entender o papel que a floresta tem para a produção, incluindo como o desmatamento e práticas agrícolas tradicionais são menos lucrativas do que uma administração sustentável das florestas. Práticas insustentáveis abrem a possibilidade para reduzir crescimento econômico e, portanto, aumentar tensões sociais.
Antes de deixar o Brasil, Temer vetou uma medida provisória que reduzia a área de proteção ambiental no Estado do Pará. Mas isso é suficiente?
Isso é algo positivo. Mas a verdadeira pergunta é o que vai ocorrer no lugar dessas leis. E é isso que queremos escutar dele (Temer) e debater. O governo norueguês quer ouvir suas perspectivas sobre essa situação e entender qual será a política
A incerteza política tem alguma influência em suas considerações sobre a cooperação com o Brasil?
É um fator em nossas considerações quando falamos de problemas levantados para os debates. Mas não é o que determina nossa determinação em ajudar a redução do desmatamento. O dinheiro não é para o governo. Não vamos nos meter na política brasileira. Mas precisamos cumprir o que foi estabelecido na parceria, que é de cobrar resultados. O Fundo da Amazônia é um exemplo para o mundo. Respeito que desafios políticos possam gerar golpes. Mas esperamos que sejam superados.
Mas o aumento do desmatamento tem uma relação com a crise política no Brasil?
Sempre que se vê uma crise política, ou transição, há um risco de um vácuo nessa área. E as pessoas com interesses vão imediatamente tentar ocupar esse vácuo.
O sr. transferiu dinheiro ao Ibama, pela primeira vez na história da entidade. Qual o risco de se cortar o orçamento do organismo?
Práticas insustentáveis e práticas ilegais, com tantos interesses econômicos, não podem parar apenas com boas intenções ou só com leis. Você precisa uma forma de implementá-las. E, para isso, precisa monitorar o que está ocorrendo. Estamos colocando muita ênfase nessa administração para garantir que sejamos exitosos.
O sr. espera que o governo anuncie que o orçamento será mantido?
Foi um dos assuntos discutidos em Brasília em março e nos foi indicado que medidas de correção seriam tomadas no orçamento do Ibama. Alguns dos impactos negativos que vimos no ano passado ocorreram por conta dos cortes no orçamento do Ibama.
O contrato que o sr. tem com o Brasil é claro. Se o desmatamento aumenta, a Noruega corta a ajuda. Mas essa falta de dinheiro não aprofundaria o problema?
Isso é certamente um risco. Mas é o que deixa a responsabilidade com o governo brasileiro. A Noruega não vai acabar com o desmatamento no Brasil. Apenas queremos ajudar. Portanto, reduzir o dinheiro pode ter um impacto negativo. Mas é o outro lado da moeda de boas políticas nacionais. Além disso, precisamos prestar contas ao nosso parlamento e ao nosso povo.
Com todos os escândalos de corrupção no Brasil, o sr. se preocupa com o destino de US$ 1 bilhão que seu governo deu ao País?
E essa história tocou o BNDES e, portanto, foi um assunto nos nossos diálogos com o Fundo. Nossos controles são sistemáticos e rígidos. Nosso dialogo é muito direto. Não estabelecemos qualquer indicação de que nossos fundos foram impactados por corrupção. Mas isso é algo que estamos monitorando de forma consistente.
O sr. aumentou o controle depois das revelações no Brasil sobre os diversos setores da economia e governo?
Houve um diálogo mais intenso sobre isso. Acho que nossos controles são bons o suficiente para lidar com essa situação.