JUSTIÇA

Janot, 'o atirador de flechas', deixa comando do MPF

Chega ao fim a Era Janot na PGR, uma gestão marcada por polêmicas, longe da unanimidade, e que alçou o MPF aos holofotes

Paulo Veras
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Paulo Veras
Publicado em 17/09/2017 às 6:05
Foto: José Cruz/Agência Brasil
Chega ao fim a Era Janot na PGR, uma gestão marcada por polêmicas, longe da unanimidade, e que alçou o MPF aos holofotes - FOTO: Foto: José Cruz/Agência Brasil
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Por si só, as duas denúncias penais contra um presidente da República no exercício do mandato, inéditas na história da República, já mostrariam o quão explosivos foram os quatro anos de Rodrigo Janot à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR) e seu lema “enquanto houver bambu, lá vai flecha”. O mandato que se encerra hoje foi o primeiro marcado pela Operação Lava Jato, que atingiu políticos com foro privilegiado às dezenas e deu a Janot – e sua longa lista de investigados – uma visibilidade inédita na história do Ministério Público Federal.

Mesmo assim, o procurador não passou incólume às polêmicas, como o caso do desastroso acordo de delação premiada com executivos da JBS. No caminho, Janot bateu de frente com figuras importantes, como o presidente Michel Temer (PMDB), o ex-presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB) e o ministro do STF Gilmar Mendes, que fizeram duras críticas públicas sobre o trabalho do chefe do MPF e questionaram a legitimidade de sua atuação no cargo.

“A PGR sob a gestão de Janot teve um papel importante no fortalecimento da Lava Jato. Permitiu que o Brasil testemunhasse que rigorosamente todos estão efetivamente sob o jugo da lei: desde o atual presidente da República, passando pelos ex-mandatários e atingindo até os maiores empresários do País. Não se pode deixar de destacar alguns equívocos cometidos há alguns meses, seja no âmbito das negociações entabuladas com os dirigentes da JBS, seja em relação à postura pública por ele adotada por ocasião das denúncias apresentadas contra o presidente, onde houve flagrantes excessos verbais”, pondera Ronnie Duarte, presidente da OAB de Pernambuco.

Em seus quatro anos, Janot teve tempo de atirar inúmeras flechas. Apenas como fruto das delações de 77 executivos da Odebrecht, maior empreiteira do País, o Supremo Tribunal Federal abriu inquéritos contra 8 ministros, três governadores, 24 senadores e 39 deputados. E destinou mais de uma centena de casos aos tribunais e varas de primeira instância. Meses depois, graças as gravações da JBS, Janot denunciou o próprio Temer; embora o processo tenha sido barrado pelo Congresso.

No início do mês, o procurador sofreu um duro revés quando os acordos de colaboração de Joesley Batista e Ricardo Saud,  delatores da JBS, foram rescindidos depois que descobriu-se que eles esconderam provas das autoridades e receberem orientação do ex-procurador Marcelo Miller, do grupo de Janot na força-tarefa da Lava Jato, que acabou virando advogado dos empresários. Apesar disso, no final do mandato, partiu para o ataque. Apresentou nova denúncia contra Temer, contra os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff e próceres do PMDB e PT, expondo um robusto arsenal de bambus contra núcleos políticos no centro do poder que foram apelidados de “quadrilhões”.

“Minha visão é crítica. Ele vinha até bem com a Lava Jato. Mas esse final de mandato foi dramaticamente ruim. A minha sensação é que os holofotes o cegaram em algum momento. Primeiro, ele levou uma pessoa a gravar o presidente da República. Isso é uma coisa indigna para um órgão como a Procuradoria. Depois, divulgou a fita sem ter feito uma perícia. Além disso, qualquer gravação sem autorização judicial é uma prova ilegítima. Mas o pior momento dele foi ver seu braço direito ser cooptado pelo Joesley”, afirma o ex-ministro da Justiça José Paulo Cavalcanti Filho.

A gestão Janot foi encerrada com denúncias contra os principais partidos e quatro dos cinco ex-presidentes vivos do País pós-redemocratização: Lula e Dilma Rousseff, do PT; e José Sarney (1985-1990), do PMDB, no final da gestão. Antes, já havia feito isso com Fernando Collor (1990-1992).

O único dos ex-presidentes não atingido pelas “flechas” de Janot foi Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Para o procurador da República Luiz Vicente Queiroz, chefe administrativo do Ministério Público Federal em Pernambuco, Janot deixa o posto fortalecido perante a classe e a opinião pública. “Ele modernizou e desburocratizou o MPF. Conseguiu montar uma equipe jovem e combatente. E fez uma gestão muito firme. Foi corajoso, sério e implacável. Basta ver a quantidade de acordos de delação
premiada que ele fez. Foi uma verdadeira limpeza no Brasil”, argumenta.

BALANÇO

Desde 2013, a PGR emitiu 242 pedidos de instauração de inquérito, 66 denúncias e 13.014 pareceres. A área criminal representa um terço de todas as manifestações. Quase 20% dos pareceres enviados ao STF no último quadriênio estão relacionados à Operação Lava Jato. Só no Supremo, a operação tem 450 investigados. Embora ainda não haja condenação de políticos
com foro privilegiado, já são 66 acusados. Apenas perante o STF foram homologados 159 acordos de colaboração premiada.

O professor de Direito Constitucional Marcelo Labanca, da Universidade Católica de Pernambuco, acredita que Janot conseguiu avançar principalmente no combate à corrupção, mas lembra que sua atuação também gerou críticas quanto a priorização dos investigados.

“Foi um período polêmico, marcado pelas ações que ele propôs em relação aos processo de investigação de corrupção relacionados a Lava Jato e outros. Isso por si só pode representar um dado muito positivo, tendo em vista que em outras épocas o Ministério Público não era tão atuante. Mas houve muitos casos relatados de que o processo estava sendo desrespeitado.Garantias básicas como o princípio da presunção de inocência. A banalização da prisão foi uma marca”, explica.

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