Executivos vinculados à Odebrecht, à Carioca Engenharia e à Delta revelaram em depoimento nesta segunda-feira (4), no Rio de Janeiro, detalhes do pagamento de propinas a políticos envolvendo a reforma do estádio do Maracanã e em obras do Parque das Favelas e do Arco Metropolitano. As informações foram apresentadas durante depoimentos prestados ao juiz federal Marcelo Bretas.
Eles descreveram um esquema de manipulação dos editais, direcionando as licitações e garantindo a divisão das obras entre determinadas empreiteiras. Os executivos afirmaram ainda que o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, pedia uma propina no valor de 5% sobre o faturamento dos empreendimentos e indicava o ex-secretário de governo, Wilson Carlos, como o responsável pela interlocução com as empresas.
Os depoimentos ocorreram no âmbito da Operação Crossover, desdobramento da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro. Sérgio Cabral é apontado como líder de uma organização criminosa que arrecadava propina durante o período em que ele foi governador. Em outros três processos, Cabral já foi condenado em primeira instância com penas que somam 72 anos de prisão. Atualmente ele está na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, na zona norte do Rio de Janeiro.
Entre os depoentes, estavam dois ex-diretores da Odebrecht que firmaram com o MPF acordos de delação premiada, já homologados pela Justiça. Um deles é Benedicto Junior, ex-diretor presidente da Odebrecht Infraestrutura, empreiteira do Grupo Odebrecht.
Pagamento em joia
O proprietário da construtora Delta, Fernando Cavendish, também depôs. Ele narrou a forma como a empresa conseguiu se envolver na obra do estádio. "Nós tínhamos uma proximidade, viajávamos juntos, nada a ver com as questões públicas. Então, na viagem de 2009, já tínhamos essa convivência. (...) Mas houve a viagem [para a França], aniversário da Adriana [Adriana Ancelmo, mulher de Cabral] e em um certo momento ele me chamou para dar uma volta e tratar de um assunto. Entramos em uma joalheria, explicou que estava dando um presente para Adriana e disse que gostaria que eu pagasse".
A joia custou 220 mil euros. Cavendish disse ter deixado claro que não estava dando nenhum presente e que o pagamento deveria ser acertado no futuro. A viagem ocorreu em junho de 2009 e, no final do mesmo ano, os dois acertaram a participação da Delta no consórcio do Maracanã. "A colocação que o governador fez na mídia outro dia, de que a joia foi um presente meu, isso não existe. Foi um negócio", disse. Posteriormente, o valor da joia também teria sido abatido no cálculo da propina de 5% cobrada sobre o faturamento da obra.
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Reforma do Maracanã
Já Benedicto Junior disse que a licitação da reforma do Maracanã foi direcionada para o consórcio integrado pela empresa. O executivo afirmou que o sistema que a Odebrecht usava para contabilizar os repasses ilícitos registra, no caso do Maracanã, um valor total de, aproximadamente, R$ 6,4 milhões para Proximus, condinome atribuído a Cabral quando ele ainda era candidato, uma vez que se acreditava que ele seria eleito o próximo governador. Considerando todas as obras realizadas pela Odebrecht, o grupo do ex-governador teria recebido R$ 94 milhões da empreiteira.
O diretor da Odebrecht Infraestrutura, Marcos Vidigal, explicou como a licitação foi direcionada. A roupagem de competição foi garantida com a participação da OAS, que se comprometeu com a chamada “proposta de cobertura”. Foi pedido à OAS que apresentasse uma proposta de R$ 712 milhões, maior do que os R$ 705 milhões que apresentados pela Odebrecht. Em contrapartida, a empreiteira vencedora da licitação fez propostas de cobertura de interesse da OAS em outros certames no Brasil.
De acordo com Benedicto Junior, a Odebrecht tinha uma associação com a Andrade Gutierrez. No caso do Maracanã, o combinado era para a formação de um consórcio com 70% de participação da Odebrecht e 30% da Andrade Guiterrez. No entanto, o então governador Sérgio Cabral impôs a participação da Delta. “Foi empurrada goela abaixo”, disse. Com a ampliação do consórcio, a Delta ficou com 30% de participação e o restante foi dividido da forma previamente acordada: 70% para a Odebrecht, que ficou na prática com 49%, e 30% para Andrade Gutierrez, que terminou com 21%.
Parque das Favelas
No caso do Parque das Favelas, que envolvia três editais, os depoentes informaram que foram formados três consórcios divididos por nove empresas. Cada um deles ficaria com uma das obras. Para dar aparência de competitividade, o consórcio previsto para vencer um dos editais deveria fazer propostas para serem derrotadas nos outros dois.
Além da taxa de 5% cobrada pelo governador, houve ainda a cobrança de 1% em parcelas mensais durante os 24 meses do contrato. Essa propina foi apelidada de “taxa de oxigênio”. Segundo Marcos Vidigal, a Odebrecht pagou cerca de R$ 80 mil reais por mês.
Pela Carioca Engenharia, depôs o engenheiro e ex-diretor Ricardo Pernambuco. Ele confirmou o pagamento de propina relacionado às obras do Parque das Favelas e disse que seu filho, Ricardo Pernambuco Júnior, era quem fazia os contatos com o governo. "O governo falou em um percentual de 5%, mas meu filho não aceitou. E o que nós fomos pagando foi R$ 200 mil e, posteriormente, passou para R$ 500 mil mensais", disse Ricardo Pernambuco.
Os valores mensais não teriam sido a única propina paga pela Carioca Engenharia. Segundo o ex-diretor, ao final do segundo mandato de Cabral, quando ele renunciou para concorrer novamente ao Senado, foi apresentada uma conta envolvendo percentuais de obras na qual a empresa devia R$ 12 milhões. Ricardo Pernambuco teria informado não ter condições de quitar esses valores. "No final, ficou acertado que nós não teríamos como gerar estes recursos e definiu-se que pagaríamos R$ 8 milhões em doações para campanhas".
Outro lado
Nesta terça-feira (5), Sérgio Cabral irá depor sobre os fatos que constam na denúncia da Operação Crossover. Seu advogado, Rodrigo Roca, informou que só vai fazer comentários sobre as informações prestadas pelos ex-diretores das empreiteiras após o depoimento do ex-governador.