A véspera do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula (PT) pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o juiz federal Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, criticou a forma como o dispositivo é adotado no Brasil, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura. Moro evitou falar especificamente sobre o caso do ex-presidente, mas disse que a revisão da prisão após a condenação em segunda instância representa “um passo atrás” e “favorece a impunidade” no mesmo dia em que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) rejeitou o recurso do petista contra a pena de 12 anos e 1 mês de prisão.
“(A revisão da prisão em segunda instância) leva a impunidade, principalmente dos pedrosos. Mas o problema expande muito à situação do ex-presidente Lula. São 114 execuções de condenação confirmadas em segunda instância. E aí você tem principalmente casos de crimes contra a administração pública. Tem lá peculatos milionários de R$ 20 milhões, de R$ 12 milhões. Dinheiro desviado da saúde e educação, que fazem falta à população. Mas tem também traficantes, pedófilos, doleiros. E isso estou falando de um universo pequeno que é o local onde eu trabalho. Vamos pensar isso em todo o território nacional. A revisão desse precedente teria um efeito prático muito ruim. E passaria uma mensagem errada de que não cabe mais avançar, que vamos dar um passo atrás”, defendeu o juiz federal.
Moro preferiu tratar como “prematuro” a afirmação de que o precedente será mudado pelo STF. “Se for, vivemos dentro de uma democracia que tem uma certa dinâmica. Se o Supremo rever esse precedente, tem que se pensar numa alternativa. Estamos passando por um momento que vamos ter uma campanha eleitoral. Pode se pensar em cobrar dos candidatos a presidente qual a posição que eles têm sobre essa questão da impunidade. E pode se pedir que eles retomem isso através de uma Proposta de Emenda à Constituição”, propôs o magistrado.
Como juiz, Moro disse não poder acreditar em um “acordão” no STF para salvar os implicados por corrupção. Ele fez questão de declarar seu “apreço especial” pela ministra Rosa Weber, cujo voto poderá ser decisivo para se rever a possibilidade de cumprimento da pena após a condenação por órgão colegiado. “Trabalhei com ela e pude observar a qualidade técnica da ministra”, elogiou.
Questionado se tem preocupação com o significado político da prisão de Lula e se o ex-presidente terá direito à cela especial, Moro disse que a decisão não cabe a ele, mas ao TRF-4 e ao STF. “Se vier a decisão pra mim, eu sequer tenho a opção, de cumprir ou não cumprir. Eu vou seguir a decisão do tribunal”, afirmou. O juiz preferiu, porém, não entrar em detalhes sobre a forma como isso seria feito. “É um passo muito adiante. Vamos verificar se vai chegar esse momento e, aí, sim, fazer as ponderações necessárias”, explicou.
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ELEIÇÕES
Ao comentar o quadro político brasileiro e as eleições presidenciais que se aproximam, Sérgio Moro lembrou que juiz não pode expressar preferências eleitorais. “Eu acho que tem bons candidatos. Tem bons políticos. Não se pode fazer esse juízo generalizado negativo em relação aos políticos”, afirmou. “Eu vejo bons candidatos. Outros nem tanto. E outros que talvez mereçam um juízo maior de censura. Mas nós brasileiros não podemos entrar nas eleições cabisbaixos e achando que não existe condições de eleger um bom candidato”, reforçou.
Instado a fazer uma aposta para 2018 nas urnas, Moro disse que é desejável que as pessoas escolham os melhores nomes para gerir o País. “Mas não podemos pensar unicamente que com as eleições nós resolvemos nossos problemas. Nós temos essa mania no Brasil de pensar em salvadores da pátria, um dom Sebastião que vai chegar e resolver nossos problemas. As instituições se constroem no dia a dia. Claro que é importante ter boas pessoas no Congresso, um bom presidente ou presidenta”, defendeu.
Moro defendeu ainda uma “redução muito grave” do foro privilegiado no Brasil para evitar processos que se arrastam por muitos anos e favorecem a impunidade. Também criticou o loteamento político de cargos técnicos na administração pública. Para o juiz, é até compreensível que políticos que vençam a eleição governem junto com os partidos que o elegeram, mas que as nomeações precisam seguir critérios técnicos e garantir a eficiência do serviço público.
“Falando em Lava Jato, principalmente em Curitiba, boa parte do trabalho já foi feita”, adiantou o juiz. “Boa parte do trabalho hoje nas mãos do STF. O relator é o (ministro Edson) Fachin, que eu reputo uma pessoa extremamente séria. Espera-se que esses casos ainda serão julgados”, projetou o magistrado.