A Polícia Federal montou, por meio do Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro, um raio X da Lua Propaganda. Os investigadores destacam que, entre 2010 e 2017, marqueteiros da Lua Propaganda ocuparam altos cargos na agência, com contratos com o Governo de São Paulo, ao mesmo tempo em que atuaram em campanhas políticas do PSDB.
O relatório de 54 páginas faz parte da Operação Pedra no Caminho, investigação que mira desvios e fraudes nas obras do Trecho Norte do Rodoanel, sob responsabilidade da Desenvolvimento Rodoviário S.A (Dersa), e culminou com uma denúncia contra 14 investigados e também com a abertura de novas frentes de apuração.
"Os dados extraídos de fontes oficiais (Tribunal Superior Eleitoral, Receita Federal, etc.) corroboram os relatos obtidos em fontes abertas sobre a atuação dos profissionais de publicidade nas campanhas políticas do PSDB ao mesmo tempo em que ocupavam posições de direção na Lua Propaganda, empresa com contratos com a administração paulista", afirma o relatório.
Na avaliação da PF, "é inequívoca a relação da Lua Propaganda com diversas pessoas físicas e jurídicas que prestaram serviços ou até mesmo conduziram campanhas políticas de expressão dos governos do PSDB em 2010, 2012, 2014 e 2016".
"É relevante também notar que a passagem do controle da Lua Propaganda da família de Luiz Gonzalez para a família de Nelson Biondi (3 de agosto de 2016) ocorreu em momento relativamente próximo à mudança das coordenações de campanhas eleitorais relevantes do PSDB (Alckmin em 2014 e Dória em 2016). Esta transferência de comando ocorreu na mesma direção, de Gonzalez para Biondi", assinala o documento.
A análise n.º 04 do caso nº 11/2016 é de 16 de outubro de 2017. Os investigadores cruzaram dados da conta corrente da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A), estatal paulista responsável pelas obras do Rodoanel, com despesas e receitas declaradas à Justiça Eleitoral.
Em um primeiro momento, a PF levantou dados sobre empresas e sócios ligados a pessoas físicas e jurídicas "que receberam algum valor através da conta" da Dersa. As informações foram, então, cruzadas com despesas e receitas declaradas à Justiça Eleitoral nas eleições de 2010, 2012, 2014 e 2016.
"Neste relatório o foco da análise será a empresa Lua a fim de compreender seus vínculos com as empresas prestadoras de serviços publicitários em eleições", destacou a PF.
De acordo com os analistas, a Lua Propaganda foi destinatária de R$ 615.783,62 da Dersa. Os lançamentos constam de um extrato de 29 de novembro de 2013 no lote 13134/documento 012674 e no lote 13134/documento 012675.
"Realizando consulta aos dados de prestações de contas das eleições de 2010, 2012, 2014 e 2016, foram identificadas 13 empresas e uma pessoa física com vínculos societários com esta pessoa jurídica (Lua). O total declarado dos serviços prestados por estas pessoas nas 4 eleições totaliza R$ 103.099.015,83", informa o documento.
Os investigadores elaboraram uma tabela com todos os valores pagos pelo Governo de São Paulo à Lua Propaganda até 2017.
A planilha da PF foi dividida em cinco colunas: ano referência, nome órgão (secretarias de Comunicação, da Fazenda, da Saúde, Casa Civil e Educação), nome unidade gestora, nome credor, valor pago e valor pago anos anteriores.
"Segundo os dados disponíveis, o valor total recebido pela Lua no período disponível para consulta representa 25% (R$ 354.923 105,03) do total de gastos da subfunção 'Comunicação Social' (código 131) do governo paulista", aponta a PF.
PF analisa sócios e ex-dirigentes
A agência paulista, antiga Lua Branca Propaganda, começou suas atividades em 1 de outubro de 2003. O relatório do Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro identificou que "por dois períodos, 8 de maio de 2008 até 5 de fevereiro de 2010 e 9 de abril de 2013 até 31 de janeiro de 2017, teve como natureza jurídica Sociedade Anônima Fechada".
De acordo com os investigadores, "fora destes períodos a empresa era uma Sociedade Limitada".
A PF dedicou quatro páginas de seu relatório ao quadro societário da Lua Propaganda. Desde que foi fundada, passaram pelo comando da agência marqueteiros que trabalharam em campanhas de políticos tucanos.
"Recentes notícias jornalísticas sobre a Operação Lava Jato relatam que Joesley Batista, um dos donos da JBS, afirmou em sua delação premiada que repassou R$ 6,4 milhões via caixa 2 à campanha de Serra em 2010 (Presidência). Sendo que R$ 420 mil foram recebidos via "caixa 2" com uma "nota fria" da empresa APPM Análise e Pesquisa de Mercado. Maria de Fátima é administradora da APPM apenas desde 17 de maio de 2013, mas, por outro lado, é sócia da P3 Pesquisa Planejamento e Propaganda desde 9 de março de 2006, empresa esta que é sócia da APPM desde 5 de julho de 2007", descreve o relatório.
Além deste documento, estão anexados ao inquérito da Operação Pedra no Caminho relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e outra análise, de janeiro de 2018. O Relatório da Inteligência Financeira (RIF), do Coaf, explorou transações envolvendo a Lua, seus sócios e ex-dirigentes.
O Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro faz parte da Delegacia de Combate à Corrupção e Crimes Financeiros, braço da PF em São Paulo. Oficialmente inaugurado em 2016, o setor é um instrumento avançado de investigação, operado por uma equipe composta por policiais dedicados ao processamento de diversos sistemas de informática ao mesmo tempo, utilizando servidores com capacidade de processar grande quantidade de informações.
As investigações que levaram à deflagração da Pedra no Caminho começaram em 2016. Em julho passado, a força-tarefa da Operação Lava Jato, do Ministério Público Federal, denunciou 14 investigados por fraude à licitação, falsidade ideológica e organização criminosa. Nenhum executivo da Lua foi alvo da Operação Pedra no Caminho.
A Procuradoria aponta fraudes nas licitações dos lotes 1, 2 e 3 do trecho norte do Rodoanel. Os crimes, segundo a Procuradoria, ocorreram entre outubro de 2014 até a deflagração da operação, no dia 21 de junho deste ano.
Confira abaixo o posicionamento da Lua Propaganda após questionamento da reportagem do jornal O Estado de S. Paulo:
Alguém da Lua foi chamado para prestar depoimento?
Não houve nenhuma intimação a alguém da Lua para prestar depoimento.
Há conflito de interesse em manter contrato com a administração pública ao mesmo tempo em que se trabalha para campanhas políticas do partido do Governo?
Não há conflito de interesses. A Lua não atuou ou atua como agência de marketing político.
A que título a Dersa pagou R$ 600 mil à Lua? Qual foi o serviço prestado?
A Lua teve um primeiro contrato com o Dersa no período de 07/11/2008 até 30/06/2014 e um segundo contrato em vigor desde o dia 1º/07/2014. Todos os serviços prestados foram realizados conforme contrato para a empresa e pagos por meio de notas fiscais emitidas.
Quanto a Lua já recebeu do Governo de São Paulo? Em qual período?
Os valores referentes aos serviços prestados, previstos em contrato, estão devidamente publicados no Portal da Transparência do governo do Estado.
A Lua participou de quais campanhas do PSDB? Em qual período?
A Lua não faz campanha para o PSDB ou qualquer outro partido.
OUTRO LADO
Com a palavra, Nelson Biondi e André Gomes.
"Nelson Biondi nunca foi sócio proprietário da Lua Propaganda. André Gomes, seu genro, adquiriu 50% da Lua Propaganda em agosto de 2016. A empresa, aliás, nunca fez campanha política para o PSDB ou para qualquer outro partido. A Lua Propaganda herdou uma conta do Governo de São Paulo que na gestão de André Gomes durou até março de 2018. A conta não foi renovada porque a empresa perdeu a licitação. Na prática, a Lua Propaganda, sob a administração André Gomes, permaneceu por apenas 18 meses com vínculo ao Governo do Estado. Também no período Gomes, a Lua Propaganda não realizou nenhuma campanha publicitária da Dersa. Fátima Maia adquiriu em março de 2018 as quotas da Lua Propaganda que pertenciam a André Gomes. A Lua Propaganda completa este ano 15 anos de atividade. Em treze dos 15 anos, a empresa foi administrada por Luiz Zinger Gonzalez. Nelson Biondi, publicitário com 32 anos de atividade profissional, foi o responsável pela campanha de Geraldo Alckmin ao governo do Estado em 2014, mas a sua empresa, a Nova Estratégia Comunicação, nunca teve contrato com o Poder Público. A campanha que elegeu João Doria em 2016 não foi feita pela Lua Propaganda, tampouco pela Nova Estratégia e muito menos por André Gomes ou Nelson Biondi."
Com a palavra, Luiz Gonzalez
Luiz Gonzalez ignora qualquer investigação a seu respeito ou de qualquer empresa de que tenha participado. A última campanha eleitoral de que participou foi em 2012, há seis anos. E o fez com empresa própria, específica e exclusiva para essa finalidade A Lua Propaganda foi vendida em junho de 2016, quatro anos depois, não em "momento próximo" a supostas reorganizações em campanhas eleitorais. Não há relação entre os fatos. Quanto aos contratos de publicidade da empresa com entidades de governo, de diferentes orientações partidárias, anota que foram todos celebrados em processos licitatórios na forma da lei (decreto 5070, de 1965; Lei 4680/66; Lei 12.232/10 e Lei 8.666/93). Vale destacar que, pela legislação do setor, a remuneração das agências de propaganda licitadas provém, em sua esmagadora maioria, de pagamentos feitos por empresas privadas, e não pelo Poder Público. Quem remunera as agências de propaganda são os veículos de comunicação, por intermédio do "Desconto-Padrão de Agência", com dinheiro privado.
Com a palavra, João Doria
A campanha do candidato João Doria informa que não tem nenhuma relação com o fato citado na referida matéria.
Com a palavra, Geraldo Alckmin
Entre 2008 e 2010, a média anual de pagamentos à agência Lua via administração direta (serviços prestados à Secom) foi de R$ 65 milhões em valores nominais. Via Dersa, de R$ 23,4 milhões. Já entre 2011 e março de 2018, esses valores caíram para R$ 38,5 milhões e R$ 1,8 milhão, respectivamente. Como se nota, o ex-governador cortou drasticamente o contrato da Lua com a Dersa, bem como os gastos com publicidade no geral. Já nos primeiros dias de sua gestão, a Secretaria de Comunicação do Estado foi transformada em Subsecretaria. Fiel a seu compromisso de colocar a máquina do governo a serviço da população, Alckmin determinou em 2011 o remanejamento de R$ 24 milhões destinados à pasta para o desassoreamento do rio Tietê.
Nenhum diretor ou ex-diretor da Lua fez campanha para Geraldo Alckmin enquanto esteve na agência.
Importante esclarecer, também, que o governo de São Paulo soube da transferência de propriedade da Lua pela imprensa na ocasião, e submeteu o caso à consultoria jurídica.
Cabe dizer que André Gomes, ao contrário do que insinua a reportagem, não fez a campanha para prefeito de João Doria em 2016."
Com a palavra, José Serra
Todas as campanhas de José Serra foram realizadas com rigor técnico para demonstrar aos eleitores as melhores propostas ao Brasil. E as contas, sempre aprovadas pela Justiça Eleitoral, ficaram a cargo do partido.
Com a palavra, o PSDB
A reportagem fez contato com o PSDB. O espaço está aberto para manifestação.
Com a palavra, o Governo de São Paulo
O Governo do Estado informa que todos os contratos foram celebrados nas gestões anteriores e são analisados pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE).