Ao deixar o comando da Operação Lava Jato para se tornar um dos pilares do futuro governo Jair Bolsonaro (PSL), o juiz federal Sergio Moro dá um salto de patamar no protagonismo que magistrados e procuradores passaram a ter no debate político nacional nos últimos anos. Além de combater a corrupção e o crime organizado, áreas que ele já traçou como prioridade, Moro comandará no Executivo o desenvolvimento de políticas públicas de segurança, um dos pilares da campanha de Bolsonaro. As duas agendas terão papel fundamental no sucesso do novo governo.
Não é um momento trivial para magistrados. Nada menos que quatro ex-juízes tentaram se eleger governadores nas eleições deste ano. Dois deles conseguiram: Wilson Witzel (PSC) foi eleito com 4,6 milhões de votos no Rio de Janeiro e Flávio Dino (PCdoB) se reelegeu no Maranhão com o apoio de 1,8 milhões de eleitores.
Antes deles, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa, relator do processo do Mensalão, chegou a flertar com a possibilidade de disputar a Presidência da República pelo PSB, mas recuou por pressão da família, que temia a exposição trazida pela candidatura.
“O Brasil se destaca muito fortemente por um certo protagonismo político do Judiciário. Isso não pensando, obviamente, apenas na questão da política partidária. Mas dele conseguir tomar decisões que os outros poderes não tomam. Isso já vinha acontecendo em questões sobre as quais o Legislativo não se pronunciava, e o Judiciário vai lá e responde. Ele ocupou esse espaço. Esse protagonismo do Judiciário, que para alguns descamba para uma criminalização da política, ganha um ápice agora em 2018. A nomeação de Moro, um juiz que comandou a maior operação que colocou o sistema político brasileiro em xeque, torna ele um protagonista da política”, avalia a cientista política Priscila Lapa, professora da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (Facho).
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Ainda não está claro que papel Sergio Moro terá no cenário político brasileiro nos próximos anos. Bolsonaro já sinalizou que pode indicá-lo para uma vaga no STF em 2020, quando o ministro Celso de Mello deixará a Corte. Apenas meia-hora após Moro confirmar que aceitaria o ministério, porém, a jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, noticiou que aliados de Bolsonaro já viam o juiz como potencial candidato à sucessão presidencial, em 2022. Moro já havia rejeitado entrar para a política antes, mas, agora, topou abrir mão de uma carreira de 22 anos na Justiça Federal para coordenar o que chamou de “uma forte agenda anticorrupção e anticrime” em um posto no qual poderá chefiar da Polícia Federal ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão que combate a lavagem de dinheiro.
Um dia após o anúncio de que o juiz da Lava Jato assumirá o superministério da Justiça, o presidente do STF, Dias Toffoli, emitiu sinais duros dos Estados Unidos, onde está em viagem. Ele se queixou dos “garotos” de 25 anos que se tornam juízes “sem conhecer a realidade” e passam a ter o poder de afastar uma lei ou contrato “sem ter ideia do impacto daquele ato para toda a sociedade”. Moro virou juiz aos 24 anos.
Garantia para Bolsonaro
Crítico do futuro ministro da Justiça, o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o “Kakay”, que defende 17 réus da Lava Jato que não estão sob a jurisdição de Moro, trata a ida do magistrado para o Executivo como um risco. “Será que o Moro vai ter que se submeter ao Bolsonaro de forma incontinente, sem questionar? Será que ele aguentará isso? Ele que sempre teve a independência que o Poder Judiciário lhe dava. Eu tenho preocupações. Acho que em pouco tempo ele pode implementar uma política e ter desavenças com o presidente da República. E aí, ele é demissível. Vai criar um problema para o governo. Acho que ele se lançou numa aventura. É um risco que ele tem o direito de correr. Mas eu penso que ele expõe o Judiciário”, argumenta.
Para o cientista político Ricardo Ismael, professor da PUC-Rio, além da expertise no combate à corrupção, Moro traz um lastro de credibilidade ao novo governo. “O Moro no Ministério da Justiça é uma garantia de que não haverá um desrespeito à Constituição e que vai ser preservado o Estado de Direito. Ao colocar um juiz de carreira concursado, que tem a obrigação de cumprir as leis, com reconhecimento internacional, Bolsonaro vai reduzir muito a especulação de que quer implantar uma ditadura militar”, argumenta. Ele nega, porém, que há uma tentativa de juízes de assumir protagonismo político. “Se o Sergio Moro quisesse, ele teria sido candidato. Não foi. Se o Deltan Dallagnol (procurador da Lava Jato) quisesse, ele também poderia ter sido candidato. Pelo contrário, eles continuaram fazendo o seu trabalho lá na ponta. Em um universo de milhares de juízes, apenas quatro disputaram para governador”, explica.