O governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), pode até ainda ser uma incógnita, mas as correntes defendidas pelos membros da sua equipe são velhas conhecidas que, por serem quase antagônicas, precisarão aparar as arestas para coexistirem por, pelo menos, quatro anos. De um lado, está o liberalismo defendido pelo futuro superministro da Economia, Paulo Guedes, o “posto Ipiranga” do novo mandatário. Do outro, o conservadorismo de setores que foram fundamentais para que o militar da reserva fosse elevado de deputado federal a presidente da República.
Ao analisarmos o histórico das votações de Bolsonaro na Câmara Federal, identificamos que o militar não defendia ideias liberais antes de conhecer o economista Paulo Guedes. Muito pelo contrário, o deputado mostrava-se um político de postura nacionalista, protecionista.
“Devido à realização de grandes obras e viabilização de eventos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, a sensação do mercado é que esse ciclo era insustentável, pois o déficit fiscal já havia batido no teto, não havia mais de onde tirar recursos. Qual a alternativa para esta situação? A desestatização dos ativos, ou seja, privatização. E qual o governo poderia fazer isso? O PT não, ele não tinha capital político para isso. E foi aproveitando o momento de insatisfação política do mercado com o PT, que Paulo Guedes se aliou com o partido que poderia adotar essas medidas”, avaliou Artur Leandro, cientista político do Observatório do Poder.
Ph.D em economia pela Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, Paulo Roberto Nunes Guedes já oficializou outros três egressos da instituição na sua equipe de governo: Joaquim Levy (BNDES), Roberto Castello Branco (Petrobras) e Rubem Novaes (Banco do Brasil). A preferência de Guedes por ex-alunos da academia americana, berço do pensamento econômico liberal, repete uma tendência já observada na América do Sul, na década de 1970.
Foi nessa época que surgiram os “Chicago boys”, grupo que atuou na ditadura de Augusto Pinochet, no Chile, e foi o responsável por implantar o modelo previdenciário de capitalização, no qual cada trabalhador é responsável pela sua própria poupança. A aplicação deste modelo no Brasil é defendida por Guedes, mas o próprio Chile tem pensado em revê-lo.
Para o economista Guerino Edécio, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), mais do que discutir o modelo de Previdência que será adotado no País, é necessário debater os resultados que se pretende alcançar ao realizar essa mudança. A reforma é o principal desafio da equipe econômica liberal. “Me parece que o que o Guedes propôs durante a campanha é razoável: um modelo de transição em que, lá na frente, as pessoas possam custear a própria aposentadoria. Qual é a grande dúvida sobre isso? Se essa mudança pretende beneficiar a população ou transformar a Previdência pública em várias Previdências privadas, que é tudo o que os bancos querem”, pontuou o docente, que defende, além da reforma previdenciária, um corte de gastos severo por parte do governo, bem como um incremento na tributação para que haja o ajuste das contas públicas.
Leia Também
Conservador
Sobre o caráter conservador de Bolsonaro, levando-se em consideração apenas o viés dos costumes, de fato, as pautas defendidas pelo parlamentar durante os quase 30 anos que passou no Congresso Nacional têm esse contorno, o problema é que desde a redemocratização, a corrente ideológica que estava em alta era a social-democracia, o que acabou criando uma “direita envergonhada”, como classifica o doutorando em ciências sociais pela UFPE, Eduardo Matos de Alencar. Mais recentemente, com a popularização das ideias do filósofo Olavo de Carvalho – que inclusive formou outros tantos intelectuais de esquerda, através do seu curso online –, o pensamento conservador tornou-se mais uma vez popular no País.
“A força que essas pessoas começaram a desempenhar na consolidação de uma dissidência na opinião pública começou a se manifestar com mais clareza em 2013, quando protestos incitados por movimentos de esquerda de repente se viram invadidos por toda uma massa de pessoas que não tinham ligação direta e rejeitavam partidos e movimentos tradicionais. Foi quando se viu, pela primeira vez, a expulsão de integrantes de partido ou pessoas portando símbolos de esquerda dos movimentos”, ressaltou Alencar, que também edita o site Proveitos Desonestos.
Unir em um governo pensamentos que, de um lado, defendem a liberdade do indivíduo e, do outro, apoiam a manutenção do status quo pode, segundo Augusto Teixeira, professor da pós-graduação de ciência política e relações internacionais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), trazer problemas para a gestão Bolsonaro. “Demandas de caráter ultraliberais provavelmente serão filtradas, seja pelo Parlamento, seja por processos de revisão legislativa, seja no próprio núcleo duro do governo. Uma coisa é o jogo para ganhar a eleição, o discurso fácil, direto, outra coisa é governo”, destacou Teixeira.