TIME DE MINISTROS

Com Bolsonaro, militares têm participação inédita no governo desde a redemocratização

Os militares correspondem a 27,3% dos nomes indicados pelo presidente eleito para seu primeiro escalão. O índice é mais que o dobro da média histórica nacional, de 12,6%

Ana Tereza Moraes
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Ana Tereza Moraes
Publicado em 09/12/2018 às 8:00
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Os militares correspondem a 27,3% dos nomes indicados pelo presidente eleito para seu primeiro escalão. O índice é mais que o dobro da média histórica nacional, de 12,6% - FOTO: Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Atualizada às 14h13 

Após 21 anos com os militares no poder no Brasil, as marcas deixadas pelo regime resultaram em uma queda considerável no número de oficiais no primeiro escalão dos governos desde a redemocratização. Em alguns casos, a participação limitou-se a apenas um cargo. A vitória de Jair Bolsonaro (PSL) nas urnas, no entanto, promoveu um reencontro dos militares com a política brasileira. Agora, eles correspondem a 27,3% dos nomes indicados pelo novo presidente - que é também capitão da reserva - para compor seu primeiro escalão. O índice é mais que o dobro da média histórica nacional, de 12,6%.

Os percentuais foram calculados a partir de um levantamento feito pelo Jornal do Commercio, que levou em consideração o time inicial de ministros nomeados por cada presidente desde Fernando Collor (PRN) - o primeiro eleito ao cargo pelo voto direto após o fim da ditadura - até os dias atuais, com as indicações feitas por Bolsonaro.

Dos poucos oficiais que conseguiram garantir espaço nos governos democráticos desde 1990 - ano de partida da análise -, a grande maioria ficou restrito à pastas específicas da categoria, como os ministérios do Exército, Aeronáutica e Marinha - extintos por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 1999, e transformados no Ministério da Defesa Nacional. A partir da mudança implementada pelo tucano, nenhum outro militar havia comandado a pasta até que, em 2018, Michel Temer indicou o general Joaquim Silva e Luna para assumi-la. A liderança do Gabinete de Segurança Institucional, por sua vez, foi o único cargo capaz de assegurar ao menos uma vaga de destaque para os militares em todos os mandatos presidenciais pós-ditadura até o momento.

Esse padrão de restrição às posições que as forças armadas vinham assumindo dentro dos governos até então ainda é efeito de um “trauma” deixado no país pelo golpe de Estado de 1964. “No Brasil e na América do Sul as pessoas fazem muito uma associação da figura do militar com a ditadura, uma quebra do regime democrático”, analisa a cientista política Priscila Lapa. Por outro lado, ela ressalta que simplesmente ter uma composição militar no governo não implica na redução de indicadores da democracia.

Participação inédita

Com a eleição de Bolsonaro, ministérios que normalmente caíam nas mãos de civis tiveram, pela primeira vez, militares indicados para assumi-los. A partir de 2019, as pastas da Ciência e Tecnologia; Defesa; Minas e Energia, Infraestrutura e a Secretaria de Governo, além de, é claro, o Gabinete de Segurança Institucional, serão todas comandados por oficiais de confiança do presidente eleito.  

No domingo (9), Bolsonaro fez a última indicação dos 22 ministros que irão compor sua equipe no Planalto. Além dos seis ministros nomeados por Bolsonaro, seu próprio vice-presidente, o general da reserva Hamilton Mourão, também é das forças armadas, algo que não acontecia desde o regime militar. Com isso, o time principal do seu governo conta com cinco nomes do Exército, um da Aeronáutica e outro da Marinha.

“Na política, a questão simbólica também conta. Não se trabalha apenas com a racionalidade. Os militares, neste momento, simbolizam a ordem, a reorganização em um contexto em que as instituições estão enfraquecidas. Parte da população acredita que eles podem evitar, por exemplo, que hajam escândalos de corrupção dentro dos ministérios. Por outro lado, isso pode representar também uma mudança no acesso que a sociedade civil tem ao governo. A tendência de um militar é negociar menos, seguir uma linha um pouco mais autoritária. Então fica o questionamento sobre como serão as articulações do governo com essas figuras participando ativamente”, avalia Priscila Lapa.

Hierarquia militar

Dos militares que irão participar da nova gestão, todos são de patente mais alta que o presidente eleito. Enquanto Bolsonaro é capitão da reserva, os ministros Fernando Azevedo e Silva, Carlos Alberto dos Santos Cruz e Augusto Heleno Ribeiro são generais. Marcos Pontes, por sua vez, é tenente-coronel da Aeronáutica, enquanto Bento Costa Lima é almirante de esquadra da Marinha.

Para a cientista política, a diferença hierárquica pode ser um fator de tensão em eventuais crises no governo. “A hierarquia faz parte dos valores do militarismo. Não é normal que alguém que tem uma patente menor esteja acima de patentes maiores. Lá na frente, caso as negociações não ocorram como Bolsonaro espera e haja uma dificuldade de governabilidade, esse fator pode gerar tensão sim. Apesar disso, vale lembrar que os próprios militares têm reconhecido que Bolsonaro é a autoridade máxima do país”, pontua.

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