crise política

''Temer precisa pedir desculpas ao País'', avalia Cristovam Buarque

Em entrevista ao JC, senador avaliou o cenário político nacional após a semana turbulenta

Mariana Araújo
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Mariana Araújo
Publicado em 21/05/2017 às 9:15
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Em entrevista ao JC, senador avaliou o cenário político nacional após a semana turbulenta - FOTO: Foto: Agência Senado
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"O presidente Michel Temer deveria pedir desculpas ao País". Esta é opinião do senador Cristovam Buarque (PPS-DF), em entrevista exclusiva o Jornal do Commercio. O parlamentar acredita, ainda, que, no caso da renúncia de Temer, um nome para conduzir o Brasil, mesmo que eleito por meio de eleição indireta, deve vir de fora do parlamento. O motivo, explica, é falta de credibilidade que a população tem nos membros do Congresso.

Confira a entrevista completa:

JORNAL DO COMMERCIO - O senhor acredita que há, hoje, uma falta de lideranças no País que possa assumir a presidência caso Michel Temer venha a se afastar?

CRISTOVAM BUARQUE - De de fato, há uma falta de liderança individual, como já tivemos há algum tempo, mas ceio que a razão maior é a falta de partidos consistentes. Se nós tivéssemos partidos consistentes, com propostas, com ideologias, com visões de mundo, os líderes seriam automaticamente os dirigentes dos partidos. O que faz uma pessoa ser líder não é apenas uma característica pessoal, como de um pintor, de um músico, de um escritor. Músico, escritor, pintor, basta um mérito pessoal. O que faz não termos hoje líderes, é possível não ter pessoas com características próprias de liderança, é sobretudo não ter militantes políticos com um partido atrás de si. Nós não temos partidos, temos siglas. A diferença, por exemplo, é que no caso de um partido, quando se toma uma decisão, os militantes vêm atrás. No caso de uma sigla, quando se toma uma decisão, cada um vai para o lado. Não necessariamente há um acordo. Estamos sem lideranças, mas o mais grave, estamos sem partidos.

JC - Uma medida que poderia tentar rever esse quadro seria a aprovação da cláusula de barreira na reforma política?

CRISTOVAM - Não acredito que vai resolver. O que a gente precisa é criar partidos com consistência ideológica, propositiva, ética. Partidos onde a gente identifique tem defenda educação, industrialização, onde tenha um projeto nacional tal e tal. A cláusula vai diminuir o número de partidos, mas eles continuaram como siglas ou, como gosto de chamar, clubes eleitorais. São associações de pessoas que se juntam para serem votados por aquela sigla, não porque pensam parecido, não porque tenham uma proposta comum para o futuro do País. A cláusula de barreira diminuirá o número de siglas, mas não construirá partidos, esse é o problema.

JC - O senhor acredita que Temer continua no poder ou está próximo de um afastamento?

CRISTOVAM - Acho difícil Temer se manter no governo. Para se manter, ele vai ter que convencer a opinião pública de que o que ele fez não é grave o suficiente para tirar dele toda a credibilidade. Para isso, ele deveria tentar algumas coisas. Primeiro, ir para a televisão projetando na tela mostrando o que ele fez que não é ilegal, não é indecente, comparado com o que saiu nos jornais. Segundo, ele deve pedir desculpas ao povo pelo que fez, que não é ilegal, mas não é certo para um presidente fazer. Ele tem que pedir desculpas por ter recebido esse senhor, aquela hora da noite, na casa presidencial, sem registro. Ele tem que pedir desculpas, se é que não foi crime, pela maneira tranquila, leviana como ele ouviu aquele senhor falar crimes que o senhor está cometendo. Mesmo que ele diga ‘eu não cometi crime’, mas ouvir a confissão de um crime, 'eu peço desculpas ao povo'. Ele teria que fazer uma porção de gestos para retomar a credibilidade. E, além disso, prezar, porque não depende só dele, pela recuperação rápida da economia. Daqui a dez dias vamos ter o resultado do crescimento econômico. Se isso der um salto para 2%, se a inflação continuar caminhando para baixo, se o dólar não subir, isso vai ajudá-lo. Isso, junto com o pedido de desculpas dele, mostrando que não cometeu gestos ilegais. Mas acho difícil isso acontecer. Então, nós temos que pensar no futuro, se isso acontecer, o que nós vamos fazer. A Constituição diz que, se renuncia, o presidente é destituído, o presidente da Câmara assume. Mas o presidente da Câmara também é um que está sob suspeição. E não só ele, mas todos nós parlamentares hoje estamos sob suspeição. Uns mais, outros menos. Nós temos que eleger alguém que esteja acima de qualquer suspeita. Eu defendo que seja alguém de fora do parlamento. Não devia ser ninguém de dentro.

JC - O senhor é a favor da eleição indireta?

CRISTOVAM - A Constituição manda. Se for o caminho da direta, que vai ter que driblar a Constituição, vai ter que se tomar muito cuidado. Uma eleição direta hoje, que dure 90 dias, com um debate intenso entre Lula, Bolsonaro, Marina Silva e João Dória. Imagine como vai ser o debate entre esse pessoal, o que vai fazer o crime organizado durante 90 dias em que não vamos ter ministro da Defesa consistente, forte. Imagine os investidores sem saber como vai ser a política econômica no dia seguinte. Se ganhar Lula, é a volta da política econômica de 2014. Se ganhar o Bolsonaro, ninguém sabe o que vai ser. Vai ser um período muito difícil.

JC - O senhor falou que é favorável a um nome de fora do parlamento. Hoje o Congresso não tem esse poder de liderança no País, nem na Câmara nem no Senado?

CRISTOVAM - Tem gente com liderança, tem gente com coerência, tem gente com ética. Mas o povo não vê assim, o povo vê com desconfiança cada um de nós. Alguns mais, outros menos. Alguns a gente sabe que não tem credibilidade. A pessoa que vier, tem que ter características e qualidades. Por exemplo, estar acima de qualquer suspeita, ser capaz de um diálogo profundo com as seitas que dominam a política brasileira, que é o PT e, não vou dizer com o PMDB, mas com quem é contra o PT, sem rancor com um lado e com outro. Nosso presidente não pode ser rancoroso com os dois lados. Terceiro, tem que ser radicalmente com a recuperação da economia e com as reformas trabalhista, da Previdência, e até mesmo tributária, política. Pode ser que tenha dentro do Congresso, mas não vejo dentro do Congresso nomes que a opinião pública bata palmas de maneira unânime quando aparecer.

JC - O senhor se arrisca a dizer algum nome de fora do parlamento?

CRISTOVAM - Não. Primeiro, porque não tenho esses nomes. Segundo, porque se tivesse, eu não diria. Porque, ao dizer, eu já estaria expondo a pessoa.

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