SALGUEIRO - No sombrio ano de 1964 em que o país amargava o começo de uma ditadura militar, o prefeito democrático Severino Aves de Sá - que administrava o município de Salgueiro, no Sertão Central, recebia a visita do então governador Paulo Guerra para inaugurar um sistema de energia elétrica na comunidade sertaneja. Diante de 'fofocas' e desavenças políticas entre adversários que cercavam Guerra, o prefeito manteve a calma que lhe era peculiar, mas deu um recado publicamente pedindo que se não pudesse ajudar sua gestão, não atrapalhasse.
"Salgueiro se manterá às próprias custas. Farei a administração que o povo merece sem precisar da ajuda do Estado e do presidente da República. Ele aqui presente que diga se eu subi alguma vez as escadarias do Palácio das Princesas para lhe pedir recursos?", indagou Severino.
O momento do episódio foi registrado pelo menos em fotografias que estão entre dezenas de imagens que fazem parte da exposição aberta esta semana no espaço Galeria montado especialmente para lembrar a passagem do centenário do médico, político e poeta nas horas vagas Dr Severino Alves de Sá.
A exposição fica aberta até o dia 11 de março, numa sala localizada à praça Bejamim Soares, s/n, próximo ao Cristo Rei. O visitante poderá apreciar fatos marcantes da história política da região, não só através de imagens, mas documentos, recortes de jornais, objetos do médico que atuava como oftalmologista e clínico geral. Era apontado por muitas gerações como o tradicional médico da família que costumava ir às residências ver seus pacientes.
Grande parte das imagens expostas registram o desenvolvimento do município principalmente nos 60 quando ele assumiu seu mandato como prefeito de 1963 a 1969. Uma série de ações marcou a sua administração, em 1964, ano do centenário da cidade fundada por seu bisavô Raimundo de Sá. Ainda na faculdade de medicina, no Recife, foi que o horizonte da política lhe pegou de surpresa. Terminado o 4º ano, sem que soubesse, foi incluído na chapa para disputar uma vaga como candidato a deputado estadual pelo antigo PSD, partido do ex-governador Agamenon Magalhães.
A articulação da candidatura partiu do então prefeito Osmundo Bezerra, juntamente com o coronel Joaquim Angelim e o tio Joaquim Araújo. De início resistiu, mas foi convencido pelo também coronel Veremundo Soares a entrar na disputa. Terminou aceitando, mas alertou que se fracassasse ninguém devia reclamar. Acabou sendo eleito e cursou o 5º e 6º ano médico, exercendo o cargo no legislativo.
Curadora da exposição, assinada pelo designer Ticiano Arraes, a filha do homenageado, Socorro Sá, explica que a ideia vinha sendo projetada há cerca de um ano, como forma de homenagear o pai e conservar sua memória bem como da história de Salgueiro. "A história dele não é só familiar, mas está agregada a fatos importantes da região quando foi personagem influente na política e na saúde pública até falecer em 1998", justifica Socorro.
Amizade com Arraes
Exatamente no campo da política, Dr Severino, como até hoje é chamado, tinha laços de amizade no papel de correligionário com os ex-governadores Miguel Arraes e Carlos Wilson. Diplomático, ele costumava receber visitas ilustres como Marco Maciel, o ex-senador Nilo Coelho, o médico e escritor Orlando Parahym, o músico Luiz Gonzaga, além de deputados federais, estaduais e lideranças da região.
Durante o mandato de deputado, como mostram alguns documentos e fotos, ele garantiu benefícios no combate à seca como construção de açudes, poços, barragens e plano de reflorestamento. "A exposição traduz em ordem cronológica a trajetória do médico e do político, desde o nascimento, a temporada do adolescente em Minas Gerais, a faculdade de medicina no Recife e termina com a árvore genealógica da família", observa Ticiano Arraes.
Um dos destaques da exposição é um busto de quase dois metros confeccionado recentemente para retratar o médico. Todos os instrumentos de trabalho também estão em um expositor dentro da galeria. Além de documentos pessoais, diplomas, títulos, prêmios e certificados, o visitantes pode ler despachos importantes de sua gestão.
Consta, por exemplo, em página de Diário oficial do Estado que Severino Sá foi um dos primeiros parlamentares do Sertão a defender a motorização das casas de farinha e a agricultura irrigada no sertão, a partir da região do Sertão do São Francisco, como Cabrobó e Belém. Nas fases de cheia do rio, para evitar que produtores ficassem à mercê das enchentes que botava a perder toda a sua produção da mandioca, ele consegui a motorização das casas de farinhas.
Para a esposa Clélia Soares um dos marcos de seu papel na política foi a construção do canal que corta o centro da cidade e a conquista da maior escola da região - que inicialmente foi batizada de Escola Normal Regional de Salgueiro e depois passou a se chamar Escola Carlos Pena Filho. Apaixonado por educação, criou a biblioteca pública, a escola de iniciação musical, escolas nos bairros periféricos e área rurais.
Quem visita a exposição também pode assistir no local ao documentário `O Médico que amava a vida pública'. O último compromisso político dele foi em 1998, ao participar de um comício do ex-governador Miguel Arraes na disputada contra Jarbas Vasconcelos. Poucos dias depois, Dr Severino sofreu um infarto, foi internado e faleceu no Recife.