ENTREVISTA

É preciso acabar com a farra do foro no País, diz presidente do TRE-PE

Para o desembargador Luiz Carlos Figueirêdo, o foro privilegiado deveria continuar, mas para um número menor de autoridades como presidentes da República

Angela Belfort e Cássio Oliveira
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Angela Belfort e Cássio Oliveira
Publicado em 04/03/2018 às 11:27
Foto: Leo Motta / JC Imagem
Para o desembargador Luiz Carlos Figueirêdo, o foro privilegiado deveria continuar, mas para um número menor de autoridades como presidentes da República - FOTO: Foto: Leo Motta / JC Imagem
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Presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE), o desembargador Luiz Carlos de Barros Figueirêdo avalia que é necessário acabar com a “farra” do foro privilegiado. O Supremo Tribunal Federal deve decidir sobre o tema até o fim deste mês. Na opinião dele, o Brasil deveria continuar com a prerrogativa, mas seguindo o exemplo de países que dão o direito para um número menor de pessoas. Atualmente, cerca de 55 mil autoridades no País são beneficiadas.

Nesta entrevista, concedida aos repórteres Angela Fernanda Belfort e Cássio Oliveira, o magistrado também fala sobre o combate às fake news, voto impresso e Lei da Ficha Limpa, que voltou ao debate após a condenação em segunda instância do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que pode ficar inelegível.

CONFIRA A ENTREVISTA COM O PRESIDENTE DO TRE

JORNAL DO COMMERCIO – Com tantos escândalos envolvendo políticos, como o senhor enxerga a questão do foro privilegiado?

LUIZ CARLOS FIGUEIRÊDO – É necessário o foro privilegiado, mas é preciso acabar com a farra no Brasil. Todo mundo tem foro. São raros os países que não têm preceito de privilégio de foro, mas nenhum é como no Brasil, todos têm. Alguns cargos e funções precisam ser protegidos, não passar pelo circuito que o cidadão comum passa. O problema não é ter foro, é a quantidade. O presidente da República precisa, os presidentes do Senado e da Câmara, também. Mas senadores, deputados, ministros de estado e outros não deveriam ter. Não é jogar uma capa para proteger políticos, é não vulnerabilizar ocupantes de cargos públicos à perseguição política. Do jeito que está é errado. É preciso restringir a alguns estágios. Daqui a pouco vai ser foro desprivilegiado, pois todos terão. Mas o debate deve ser racional, pois simplesmente dizer que vai acabar pode causar dano à nação.

JC – O Brasil está preparado para o impacto das fake news (notícias falsas), disseminadas nas redes sociais, na eleição deste ano? Como está o trabalho em Pernambuco?

FIGUEIRÊDO – Essa será uma guerra de guerrilha dificílima. Em nenhum momento se imagina que seja possível controlar o problema. Eu diria que o combate tem que entrar em dois níveis: padrão civilizatório adequado e uma frente de prevenção.

JC – Como se dá essa prevenção?

FIGUEIRÊDO – Primeiro, militante é algo perdido. Não vamos controlar militante de nenhuma facção, de nenhum partido ou orientação. Essas pessoas continuarão sendo aquilo que são, ponto. Ele vai dizer que o candidato dele é bom, mesmo sendo ruim. E vai dizer que o candidato do outro é ruim, mesmo sendo bom, e assim por diante. Eles estão ideologicamente comprometidos ou não conseguem mais discernir o certo do errado e vão continuar fazendo. Para esse tipo de pessoa, nós só poderemos agir de forma repressiva. Preventiva para esse povo, tchau. Para o cidadão comum, que é a grande maioria dos casos, vamos agir com prevenção. Tem a brincadeira do mortadela e coxinha, mas estes não interferem. Essas pessoas recebem uma postagem de Instagram, Facebook ou bilhetinho no WhatsApp, copiam, colam e enviam, sem pensar em consequências. Ele diz que era engraçado. Esse é o nosso grande alvo. A gente quer alertar essas pessoas para que parem, reflitam e saibam das consequências. Pois, se continuar, poderá ser nivelado como aquele militante que reproduz com intenção dolosa. Existe ainda a clientela do robô que só pode ser controlado com colaboração do Facebook e outras empresas para corrigir, pois é um processo industrial de produção de mentira em larga escala. Deveria haver um botão que perguntasse se você é um robô, e aquilo seria suficiente para controlar a entrada. Então, temos esses três tipos de público, alguns dolosos, outros não e precisamos gastar mais tempo com esse colaborador ingênuo, de forma preventiva.

JC – Nesse ano, será permitida a impulsão de postagens nas redes sociais pelos candidatos. Como chegar nesses posts e evitar que essa publicação seja uma fake news para atingir um concorrente?

FIGUEIRÊDO – Na minha opinião pessoal, a liberação da impulsão de postagem foi um retrocesso. Acho que o fundamental no processo democrático é a igualdade de condições, paridade de armas, quem tiver voto ganhe. A partir do momento que qualquer coisa começa a facilitar a vida de quem tem mais dinheiro, isso desiguala a eleição. Mas minha opinião não vale de nada, é a lei e vamos cumprir. E há nichos de mercado que teremos mais dificuldades de obter recepção de denúncias de irregularidades. Se o sujeito compartilha para um público segmentado de idade, gênero e lugar, a probabilidade de alguém nos procurar é reduzida, sempre há quem nos procure até por conta do acirramento nas eleições, principalmente no interior, mas é difícil de controlar.

JC – O presidente do TSE, Luiz Fux, fez uma defesa enfática da Lei da Ficha Limpa. Entretanto, o julgamento do ex-presidente Lula reacendeu o debate a respeito da Lei. O senhor enxerga riscos ou problemas na legislação?

FIGUEIRÊDO – Antes de tudo, o código de ética da magistratura me proíbe de comentar casos concretos de outro tribunal e outro julgador. Posso fazê-lo na sala de aula ou num livro. Mas a Lei da Ficha Limpa, ela é um marco civilizatório do Brasil. A interpretação da norma deve ser a mais elástica possível em termo de proteção do erário público e do cidadão eleitor. Ou seja, o candidato ao ser julgado em primeiro grau pode, sim, ter sido vítima de perseguição política. Mas é difícil imaginar que houve má fé num caso onde um cara que um juiz condenou, ele é julgado em outro tribunal onde três outros jogadores mais experientes julgaram de novo e mantiveram a sentença. A Constituição brasileira tem uma frase de que a presunção da inocência vai até trânsito em julgado da decisão, eu não discuto. Mas isso significa eternizar a decisão, ou nunca vai a julgamento ou quando chega a pessoa tem vantagens pela idade de redução de pena. O Supremo (Tribunal Federal) decidiu que depois da segunda condenação se houver privação de liberdade é aplicável. O que se quer agora? Querem que o Supremo decida de novo, e isso gera um problema enorme chamado insegurança jurídica. Para o bem da democracia, é preciso que as regras sejam estáveis, não falo em imutável, mas falo em estabilização da paz social, que é o fim único da lei.

JC – A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao STF para derrubar exigência de impressão dos votos pelas urnas eletrônicas. Na sua avaliação, o voto impresso realmente protege contra fraudes ou há risco de violação do sigilo do voto?

FIGUEIRÊDO – Essas coisas foram mal conduzidas até agora. O sistema de votação brasileiro eletrônico é abusivamente inviolável. Fraude sistêmica, a chance é zero, zero! As diversas máquinas funcionam 99,99 por cento do tempo em stand alone, elas trabalham sós. Apenas em um átimo de segundo sai desse modo. Não há como capturar o algoritmo, deturpá-lo e repassar de outra forma. Não tem tempo. Dizem que o papel é a certeza de que o voto foi computado, ou que a urna é feita na Venezuela, mas não é relevante quem fabricou. A urna tem um flashcard, ele poderia ser fraudado, falo em tese, mas é uma probabilidade quase impossível. Mas, ainda assim, se ele for fraudado, não atinge o sistema, apenas aquela máquina. Quando hackers tentam entrar, eles chegam na porta de entrada de uma máquina, mas nunca do sistema. Esse ano, Luiz Fux deve parar a eleição e abrir uma urna de surpresa, sem ninguém saber qual, nem de onde será a urna. Ele deve conferir os votos, depois uma urna complementar vai completar a votação. O voto do papel é a união da era digital e analógica, fruto do imaginário popular que nunca foi convencido, de que há riscos. Nessas urnas experimentais, serão comparados os votos impressos e os do flashcard, e fica a prova de que não há fraude.

JC – E se der diferença nos votos?

FIGUEIRÊDO – Aí está comprovada a fraude (risos), mas não tem como dar diferente! Se fizer o teste em cinco mil urnas e uma der errado, o problema, como já disse, vai ser apenas numa máquina, não no sistema. Se for feito o texto do papel e der tudo certo, o Brasil terá argumento irrefutável para que ninguém mais fale em voto de papel. Pois o custo é estrondoso, dinheiro para Petrobras nenhuma colocar defeito, e a nação não se pode dar ao luxo de voltar da era digital para a analógica por capricho de alguns. Mas o teste ainda não foi feito.

JC – Hoje, a lei permite que um pré-candidato exalte suas qualidades ou mesmo mencione sua candidatura, desde que não faça pedido explícito de votos. Na sua avaliação, é necessário criar critérios mais objetivos do que é campanha antecipada?

FIGUEIRÊDO – Tenho impressão de que, se a gente encher de amarras, estamos fraudando a vontade do eleitor. O eleitor que se dirige a um evento e sabe que uma pessoa lá é candidata, sabe que querem capturar votos para a pessoa no ato. Não é novidade para ninguém. Se você proíbe, vão fazer de forma sub-reptícia. Não precisa de perseguição, e, sim, de igualdade. É uma bobagem barrar outdoor, mas tem que ter igualdade de quantidade e tamanho, por exemplo, até entre candidatos do mesmo partido.

JC – Voltando às fake news, o TRE anunciou uma central de denúncias para combatê-las. Como será a participação do Tribunal nesta questão?

FIGUEIRÊDO – Temos alguns canais de entrada de denúncias para que as pessoas demandem a participação do Tribunal Eleitoral. Um exemplo é o Pardal (aplicativo para denúncias oficiais de irregularidades eleitorais). Temos ouvidoria, pessoas que nos procuram no Facebook e outras portas de entrada. A partir daí, a central de apuração de denúncias age, com funcionários nossos qualificados, e temos aqui dentro, junto com os nossos, um funcionário da Polícia Federal e outro do Ministério Público. Vamos fazer triagem e nos dedicar aos casos realmente graves. E, após a apuração, seremos rigorosos no julgamento, até como forma pedagógica para que outros não repitam o erro.

JC – O TRE precisou aumentar a equipe ou os gastos com pessoal para novas demandas como fiscalização de fake news, impulsionamento de postagens e crowdfunding (arrecadação de recursos em campanhas online)? Como está o orçamento do Tribunal para o pleito?

FIGUEIRÊDO – Nós estamos trabalhando num orçamento que está só no osso. O orçamento mal dá para pagar pessoal, luz, água e combustível. Temos racionalizado na gestão, unificamos horários, começamos a pauta de manhã. Até para ficar no ar-condicionado é difícil, estamos usando a criatividade. Diminuímos o volume de carros e prestadores de serviço para ter uma margem de folga. Com a central de denúncias, teremos gente boa, mas não geramos despesas novas porque estamos economizando recursos em outras portas. E o que realmente gasta dinheiro é a biometria, que é a moralização da eleição. Mas isso será pago pelo TSE. Temos cerca de R$ 1 milhão para investimento, mas isso em um ano não dá para nada. Estamos regulamentando e implementando a biometria, havia municípios com mais eleitores do que população. Pode isso? Temos municípios que conseguiram fazer a biometria em 99% dos eleitores. Isso é ótimo.

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