A Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) comemora hoje 70 anos com um “problema básico”. A empresa vende, em média, o megawatt-hora (MWh) de energia por R$ 9. Com esse valor, se compra um quilo de pão francês nas padarias do Recife e Olinda. Só que no mercado, o preço do mesmo MWh está sendo comercializado 16 vezes mais caro.
Em um dos leilões realizados pelo governo federal no fim do ano passado (o A-4), por exemplo, a energia foi vendida, em média, por R$ 144,51 o MWh. E por que a energia da Chesf chegou a esse preço? O uso político, ao longo dos anos, para traçar o futuro da empresa. No fim de 2012, veio a canetada que mais afetou o equilíbrio da maior estatal do Nordeste: a redução do preço de venda da geradora para cumprir a lei federal 12.783/2013 – que consolidou a Medida Provisória 579 – da então presidente Dilma Rousseff (PT).
“Esse preço não remunera todas as despesas da empresa. A MP 579 complicou a Chesf e não adiantou muito na conta de energia. Os números da estatal são difíceis por causa da influência política”, afirma o presidente da Kroma Energia, Rodrigo Mello.
A estatal vende 87% de toda a energia que produz em forma de cotas estabelecidas nessa lei. A intenção de Dilma Rousseff era fazer a energia de várias geradoras – incluindo a da Chesf – ser vendida às concessionárias (como, por exemplo, a Celpe) por um preço mais baixo. Com isso, os consumidores finais teriam queda de cerca de 20% na conta de luz. A proposta, contudo, não reduziu o valor da energia pago mensalmente pelos brasileiros.
A estatal está vendendo a energia por um preço mais baixo desde janeiro de 2013, quando o seu comando ainda era indicado pelo PSB. Para se ter uma ideia maior do impacto que a decisão política teve no caixa da empresa, atualmente, a venda dessa energia gera uma receita de R$ 450 milhões por ano, quando a Chesf poderia estar recebendo cerca de R$ 3 bilhões anualmente. “Estamos discutindo uma revisão da receita de geração da Chesf”, afirma o presidente da Chesf, Sinval Gama. Essa discussão foi iniciada no ano passado.
“A culpa não foi só de Dilma que assinou a MP. A lei foi aprovada pelos políticos que fazem o Congresso Nacional”, conta o professor e engenheiro Antonio Feijó. A performance da empresa caiu como consequência da perda da receita e esse foi um dos motivos que o atual ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho (sem partido), entendeu que seria melhor privatizar o Sistema Eletrobras, do qual a Chesf faz parte.
O processo está em tramitação na Câmara dos Deputados. O projeto prevê a desestatização através da venda de ações ao mercado da companhia. O governo federal pretende vender essas ações ainda este ano.
DESENVOLVIMENTO
“A Chesf teve um papel fundamental no desenvolvimento do Nordeste. A indústria só se instalou na região porque podia usar a energia disponibilizada pela empresa”, argumenta Feijó, que trabalhou como estagiário na implantação do primeiro gerador da usina de Paulo Afonso II.
E como era o Nordeste antes da Chesf? “A energia elétrica era gerada por motores e o fornecimento era constante somente nas capitais”, lembra.
A empresa também se tornou uma fornecedora de especialistas do setor e muitos dos seus engenheiros atuaram em várias empresas da área. E, por último, a companhia se tornou uma grande investidora em Pesquisa & Desenvolvimento em parceria com várias universidades do Nordeste.
No entanto, nada disso impediu que a sua agonia começasse no segundo governo Lula (PT), quando o então presidente vislumbrou transformar a Eletrobras na Petrobras do setor elétrico. Na época, a Chesf era responsável por grande parte da receita da holding. Para concretizar esse plano, foram mudadas regras no conselho de administração da estatal nordestina. A Eletrobras passou a mandar mais – com mais interferência política – e resultou no que está aí.