PARALISAÇÃO

Os recados que a greve dos caminhoneiros deixou aos políticos

Cientistas políticos dizem que a greve mostrou que a representatividade, como os partidos e políticos, tem que se aproximar mais das causas do cidadão

Angela Fernanda Belfort e Paulo Veras
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Angela Fernanda Belfort e Paulo Veras
Publicado em 03/06/2018 às 7:01
Foto: Arnaldo Carvalho/JC Imagem
Cientistas políticos dizem que a greve mostrou que a representatividade, como os partidos e políticos, tem que se aproximar mais das causas do cidadão - FOTO: Foto: Arnaldo Carvalho/JC Imagem
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Eles conseguiram parar o País por mais de 10 dias. Uma mobilização que se estendeu de Norte a Sul de um país gigante sem ter uma liderança única nem uma entidade representativa forte como uma central sindical ou um partido político. E o que é mais impressionante: numa categoria dividida como a dos caminhoneiros – que congrega profissionais como os autônomos, os das grandes transportadoras, os das pequenas, entre outros.
“O movimento tinha reivindicações contra o que estava posto. E queria resolver uma questão pragmática: o custo dos combustíveis. Isso indica que o brasileiro está se cansando de buscar representatividade dos seus interesses nas instâncias tradicionais que seriam os partidos e os políticos, partindo direto para o gestor público”, resume a cientista política Priscila Lapa.

Ela argumenta também que esse tipo de iniciativa é um recado de que a população não confia mais nas instituições. “A sociedade está dando sinais do atual enfraquecimento da forma de fazer política. E os políticos têm que começar a discutir os problemas que atingem os cidadãos. Não há mais espaço para o descolamento das agendas com o que está acontecendo na rua. E isso vai começar a ser cobrado dos que se elegerem em outubro próximo”, comenta Priscila.

Os cientistas políticos entrevistados para essa reportagem enxergaram algo parecido entre junho de 2013 e atual greve dos caminhoneiros: a não existência de uma única liderança e a forma de mobilização, que ocorreu muito nas redes sociais. Em 2013, foi o Facebook. Agora, o WhatsApp. “O WhatsApp fragmentou ainda mais a organização. São redes cruzadas. Grupos com no máximo 256 pessoas. Só que foram construídos dezenas de milhares de grupos”, conta o filósofo e professor da Universidade de São Paulo (USP) Pablo Ortellado.

A pulverização dos participantes e de lideranças espalhadas pelo Brasil também deixou claro a dificuldade do governo brasileiro, que ainda está no sistema analógico, de dialogar com uma situação que envolveu muitas pessoas no mundo digital. “Em São Paulo, numa negociação com o governo do Estado, os caminhoneiros se mobilizaram via WhatsApp, acionaram os grupos, obstruindo duas vias em menos de 20 minutos, o que mostrou para o governo do Estado que as lideranças que estavam negociando tinham conexão com quem estava fazendo o protesto”, exemplifica o professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e cientista político Roberto Gondo.

O mesmo não ocorreu em nível nacional, trazendo mais desgaste para o governo Temer, que chegou a anunciar que o problema estava resolvido, mas viu grande parte dos caminhoneiros continuar parada. “O governo federal subestimou a paralisação. As negociações começaram tarde e politicamente deixaram o governo federal numa situação ainda mais frágil”, comenta Gondo.
“Foi um movimento que veio da internet para as ruas. O governo foi muito lento na tomada de decisão. E faz parte de uma comunidade analógica baseada na hierarquia. O Estado ficou na comunicação vertical, enquanto os caminhoneiros usavam células horizontais de comunicação (os grupos do WhatsApp) com maior rapidez”, analisa o professor e coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Fábio Malini. E alfineta dizendo que até os grupos de inteligência da União devem criar novas formas de se organizar utilizando o mundo digital.

Para o sociólogo Aécio Gomes de Matos, a paralisação também evidenciou a inércia política vivida no País por causa da falta de lideranças. Segundo o especialista, essa interpretação vale para os governos e autoridades, mas também para os movimentos sociais tradicionais, que têm mostrado uma enorme dificuldade de mobilizar as pessoas. “O Brasil vive uma falta de liderança e de um programa político minimamente consensual. Isso faz com que as pessoas fiquem como estão. Elas apoiam e desapoiam. Mas não se mexem. Faz alguns anos que não temos grandes mobilizações. Nem o Vem Pra Rua consegue mais mobilizar”, avalia o sociólogo. “O próprio movimento dos caminhoneiros começou com uma lógica de ‘se você está perdendo dinheiro, pare’. Depois, quem já estava parado continuou parado. E você não consegue fazer uma reunião com essas pessoas pela pulverização. Tudo meio que se basta pelo WhatsApp”, explica Matos.

O FUTURO

Quais as consequências desse movimento? “Foi o apagão de Temer (MDB). O movimento joga um peso maior nas eleições de 2018 para os aliados do presidente. Também pode atingir o PSDB, que influencia em cargos importantes, principalmente o da Presidência da Petrobras”, afirma o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Unirio) Felipe Borba. Parente pediu demissão do cargo na última sexta-feira, substituído pelo braço-direito, Ivan Monteiro. O MDB terá como candidato Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda de Temer. O pré-candidato do PSDB a Presidência é Geraldo Alckmin.

A greve vai trazer outra grande questão a ser discutida na próxima eleição: a dependência do Brasil no transporte de cargas pelas rodovias. 64% das cargas brasileiras são transportadas por caminhões, o meio de transporte mais caro. “Essa greve deixou claro que houve um erro de décadas ao concentrar a logística do Brasil nas rodovias”, lembra Roberto Gondo.
Faltaram combustíveis e gás de cozinha, os preços de vários alimentos aumentaram, a indústria parou e uma parte dos produtores rurais perdeu seus animais por falta de ração. As escolas e faculdades suspenderam as aulas, o comércio ficou sem compradores etc.

Com alguns dias da paralisação, parte considerável dos caminhoneiros defendeu intervenção militar. “Há um sentimento nostálgico de que havia ordem no regime militar. As pessoas esquecem que foi um período de cerceamento da liberdade de expressão e que elas não teriam o direito de fazer uma manifestação, caso estivesse num regime desse tipo”, argumenta Roberto Gondo.
E, por último, os especialistas citam que um governo impopular com uma população insatisfeita traz mais um risco para a eleição: favorecer um político de discurso mais extremista e radical, como o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ). “A indignação pode não levar a uma racionalidade na hora do voto, gerando um prejuízo a médio e longo prazos. Uma sociedade se destrói quando acredita em um salvador da pátria, numa escolha mágica. Política se define com governabilidade”, conclui Gondo.

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