Memória

Jovem encontra sítio arqueológico em Apipucos

Ao procurar frutas no quintal dos padres, Antônio Neto resgatou um pedaço da história do bairro

Cleide Alves
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Cleide Alves
Publicado em 12/04/2015 às 8:08
Bobby Fabisak/JC Imagem
Ao procurar frutas no quintal dos padres, Antônio Neto resgatou um pedaço da história do bairro - FOTO: Bobby Fabisak/JC Imagem
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Antônio Gomes da Silva Neto tem 17 anos e a mania de pegar frutas no quintal da casa paroquial da Praça de Apipucos, na Zona Norte do Recife. Ano passado, numa das andanças pelo jardim, achou não apenas manga, abacate e cajá, como de costume, mas uma garrafa antiga de cerâmica, debaixo de folhas de bambu. Curioso como ele só, bisbilhotou o terreno e acabou encontrando um sítio arqueológico.

“Se apareceu aquela garrafa inteira e tão bonita, poderia ter mais coisas”, deduziu o rapaz. Sem pensar duas vezes, reuniu apetrechos arqueológicos improvisados – a colher de pedreiro e um pincel que pegou do pai e um par de luvas cedido pela tia – escavou o oitão da casa e resgatou mais de 350 peças. A menos de um palmo da superfície, lá estavam cacos de pratos e xícaras, moedas, chaves, um pedaço de cachimbo, um lavabo azul, louça desenhada, um caldeirão de ferro fundido, fivela de cabelo, pente e outros vestígios típicos do lixo jogado porta a fora.

Numa época em que não havia caminhão de coleta, lugar de prato quebrado era o fundo do quintal ou a beira do rio. As peças recuperadas por Antônio, provavelmente, são fruto do descarte de famílias abastadas que viveram em Apipucos no século 19. “É um material extraordinário porque diz muito da vida diária das moradias burguesas”, avalia o arquiteto José Luiz Mota Menezes, presidente do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano.

“Achei muita louça inglesa. Minha tia trabalhava para os padres, anos atrás, e encontrava pedaços de louça quando varria o jardim. Minhas primas usavam como brinquedo. Elas não sabiam da importância dos objetos”, diz o arqueólogo de quintal. “Por causa do clima, Apipucos era o lugar de moradia de grande parte dos ingleses que vieram para o Recife. As peças podem ser do século 19 ou até do 18”, comenta José Luiz. Ele foi procurado por Antônio e orientou o rapaz a entrar em contato com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Filho de uma faxineira e de um pedreiro, Antônio Neto mora numa comunidade pobre na beira do Rio Capibaribe, em Apipucos, e cursa o 1º ano do ensino médio numa escola pública. “Nem sabia que existia a profissão de arqueólogo, só descobri quando comecei a fazer buscas na internet para tentar identificar as peças”, conta. A mania de pegar fruta se transformou no hábito de desencavar a história colonial enterrada pelo tempo. E guardar tudo em caixas dentro de casa.

“Passava as tardes no terreno, das 13h às 17h, todos os dias. É um lugar que me faz bem. Minha mãe e minha irmã diziam que eu estava doido. Uma vez, minha mãe jogou fora um vaso azul que eu achei. Fiquei triste, mas perdoei”, relata. Na conversa com José Luiz e mais tarde com arqueólogos da Universidade Federal de Pernambuco, ele descobriu que não poderia continuar as pesquisas. “Não sabia que era proibido mexer em sítio arqueológico. Agora, não escavo mais.”

É um material extraordinário porque diz muito da vida diária das moradias burguesas

diz o arquiteto José Luiz Mota Menezes

As caixas com os achados ele doou ao Iphan, que tem a tutela do patrimônio arqueológico brasileiro. Mas lamenta o desfecho da história. “A arqueóloga foi à minha casa, falou da importância das peças, levou o material e disse que o lugar merecia uma pesquisa, mas isso iria demorar para acontecer. É uma pena. O trabalho deveria ser feito o mais rápido possível. Quando entreguei os fragmentos, achei que a pesquisa começaria de imediato. Nada aconteceu. Isso me entristece e fico em dúvida sobre fazer ou não o curso de arqueologia”, lamenta.

No quintal, além dos fragmentos de louça, metal e ossos, há restos de construção. “Acho que uma delas seria uma casa de banhos, porque o jardim da casa ficava perto do Rio Capibaribe”, diz Antônio, mostrando o local da sua primeira escavação arqueológica. No século 19, a área hoje ocupada pelos padres abrigava uma residência, que recebeu dom Pedro II em sua visita ao Brasil e foi posteriormente demolida, informa José Luiz.

Sem permissão para escavar, Antônio agora depende das chuvas para continuar vasculhando o jardim. “Toda vez que chove, as peças afloram no quintal. Vou lá, recolho e guardo. Se eu não fizer isso, para preservar a história, tudo vai se perder”, afirma.

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