Prazer

Apelidada de Viagra feminino, pílula acalora discussão sobre sexualidade da mulher

Aprovação nos EUA de medicamento para tratar redução do desejo sexual inaugura uma nova que acende caminhos para ajudar a quebrar tabus por trás do prazer

Cinthya Leite
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Cinthya Leite
Publicado em 05/09/2015 às 13:34
Priscilla Burh/Acervo JC Imagem
Aprovação nos EUA de medicamento para tratar redução do desejo sexual inaugura uma nova que acende caminhos para ajudar a quebrar tabus por trás do prazer - FOTO: Priscilla Burh/Acervo JC Imagem
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No meio de idas e vindas entre a indústria farmacêutica e a FDA (sigla em inglês que denomina a agência reguladora do setor de remédios e alimentos nos Estados Unidos), foi dado sinal verde para comercialização do primeiro medicamento para o tratamento das mulheres que têm suas vidas impactadas pelo descompasso da libido. Apelidada de Viagra feminino para fazer analogia à medicação para homens com disfunção erétil, a flibanserina (nome comercial Addyi) é uma pílula cor-de-rosa não hormonal que chegará ao mercado norte-americano ainda neste ano, após ter sido contestada duas vezes pelo FDA. 

A primeira negativa foi dada em 2010, quando o medicamento estava nas mãos do laboratório alemão Boehringer Ingelheim. A outra, em 2013 – nesse ano, o desenvolvimento da flibanserina já estava sob os cuidados do Sprout Pharmaceuticals, grupo que desenvolveu a fórmula e que foi comprado por US$ 1 bilhão pela farmacêutica canadense Valeant em 20 de agosto – dois dias depois de o medicamento ter sido aprovado pela FDA. 

Com a promessa de tentar solucionar a falta de apetite sexual, a flibanserina nasceu após uma série de pesquisas que contaram com a participação de mais de 11 mil mulheres. Aquelas que fizeram uso da pílula alegaram ter tido, em média, 4,4 experiências sexuais satisfatórias em um mês – contra 2,7 antes de o estudo ser iniciado. 

O fármaco, ainda sem previsão de chegar ao Brasil, é destinado a mulheres que estão na pré-menopausa e se queixam de desejo sexual hipoativo (DSH), nome científico para caracterizar um distúrbio que mescla a diminuição ou ausência de libido à angústia, sofrimento e incômodo pela falta de volúpia. Estima-se que 10% das mulheres, em todo o mundo, convivam com o problema, considerado a grande caixa preta dos sexólogos. 

“Com a flibanserina, inauguramos uma nova fase no cenário da sexualidade feminina, embora não possamos prever com precisão se a medicação será capaz de resolver problemas sexuais comuns entre as mulheres”, salienta a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da Universidade de São Paulo (USP).

Referência no Brasil no universo da produção científica ligada à sexualidade humana, ela acredita que, com o medicamento no mercado, a sociedade passará a compartilhar mais informações sobre o desejo sexual feminino. “Assim, esperamos que mitos, tabus e preconceitos sejam quebrados.” 

A psiquiatra informa que a flibanserina tem como papel incrementar a ação dos neurotransmissores que ajudam a aumentar o interesse sexual. “O medicamento age no cérebro para liberar dopamina e noradrenalina e, ao mesmo tempo, inibir a ação da serotonina”, explica Carmita, ao deixar claro que é preciso um equilíbrio entre esses neurotransmissores para a ativação do desejo sexual. 

A cena a que a Carmita assiste hoje é semelhante ao que aconteceu em 1998, quando foi introduzido no mercado o Viagra, o primeiro inibidor da fosfodiesterase-5 utilizado no tratamento da disfunção erétil. “Naquela época, foi iniciado um trabalho de educação médica focado nos distúrbios sexuais que afligem os homens. Passados 17 anos, percebemos que é mais fácil para a população falar sobre a sexualidade masculina porque é sem tabus e ideias errôneas.” 

Apesar do pioneirismo que brota com a pílula cor-de-rosa, é importante que a medicação não seja vista como um milagre. Não basta tomá-la para o desejo sexual vir à tona. “Em muitos casos, as mulheres vivenciam crise conjugal, têm autoestima comprometida e passam por outros conflitos que interferem negativamente na atividade sexual. Nesses casos, a medicação não é a solução”, explica a sexóloga Semíramis Prado, delegada da Regional Pernambuco da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana (SBRASH).

Na própria bula da flibanserina, já vem o aviso para médicos e pacientes: a medicação não é indicada para mulheres com uma condição psiquiátrica preexistente e com problemas no relacionamento. E mais: o Viagra feminino não é recomendado para o tratamento do desejo sexual hipoativo em mulheres que estão na pós-menopausa, tampouco para melhorar o desempenho sexual em quem não tem a disfunção e deseja fazer uso recreacional do produto. “Ainda é preciso considerar que a bebida alcoólica é contraindicada enquanto a mulher faz uso dessa medicação”, diz Semíramis. Ela também alerta em relação a efeitos colaterais que o produto pode causar, como tonturas, sonolência, náuseas, fadiga, insônia e boca seca. 

O risco de todos essas consequências causadas pelo uso do medicamento leva os especialistas a orientarem sobre um detalhe: a flibanserina só deve ser prescrita depois de uma análise médica criteriosa, que dê o diagnóstico de desejo sexual hipoativo, que se torna mais comum com o avançar da idade, segundo as pesquisas coordenadas por Carmita Abdo. “Entre 18 e 25 anos, estima-se que 5,8% das brasileiras não têm interesse no sexo. Acima dos 60 anos, a prevalência chega a 19,9%”, diz a psiquiatra, que explica como vem esse diagnóstico: “O desejo sexual hipoativo é caracterizado por um desinteresse contínuo e que leva a um sofrimento pessoal. Não é uma condição de quem, uma vez por outra, não quer fazer sexo.” Por isso, a comunidade médica precisa considerar vários aspectos antes de prescrever a flibanserina.

Além disso, medidas adicionais devem ser tomadas para garantir a segurança da medicação. As pacientes não devem, por exemplo, dirigir ou se envolver em outras atividades que exigem muita atenção antes de completar seis horas após a ingestão do medicamento.

E é bom não confundir o desejo sexual hipoativo com a dificuldade de se atingir o orgasmo – para essa condição, a flibanserina não é indicada. “Sabemos que mulheres afetadas pelo desinteresse sexual também têm dificuldade em ter orgasmo, mas a medicação não resolverá isso”, reforça Semíramis. O efeito da flibanserina não é imediato. “As mulheres começam a perceber resultados entre três e quatro semanas após o início do tratamento. Passados alguns meses, elas ganham condição para dar sequência à prática sexual sem necessidade do medicamento”, finaliza Carmita Abdo. 

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