As serpentes e suas crias. Por Ricardo Leitão
Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog
Dos ovos de serpentes nascem dezenas de crias que, por sua vez, geram outras serpentes. Ao longo dos tempos, a rotina biológica serve para designar a sucessão do mal, inclusive na política. Sendo assim, questiona-se: do ovo de qual serpente nasceu o deputado federal bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), autor de violento ataque aos ministros do Supremo Tribunal Federal, incluindo ameaças de surras e de mortes?
Silveira, um parlamentar dos subterrâneos do baixo clero, é um conhecido militante da extrema direita. Entre os seus feitos, o de ter destruído, em 30 de setembro de 2018, uma placa em homenagem à vereadora Marielle Franco, assassinada por ex-policiais militares, no Rio de Janeiro. Durante seis anos foi soldado na PM fluminense, período em que acumulou punições e foi denunciado por uso de atestado médico falso. Na corporação, somou 26 dias de prisão, 54 de detenção, 58 repreensões e duas advertências. Pelas ameaças aos ministros do STF, está novamente preso.
No entanto, Silveira ainda é cria, não um amadurecido ofídio gerador. Permanece então a questão: quem o gerou, cevou, instruiu e para ele abriu os caminhos da canalhice com suposta imunidade parlamentar? Daniel Silveira foi gerado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. Ele e milhares de outros, que aplaudiram o Capitão empoleirado em um veículo, em frente ao quartel do Comando Geral das Forças Armadas, em Brasília, apoiando a horda que pedia a volta da ditadura. Ou solitário com a multidão, na Praça dos Três Poderes, exigindo o retorno do AI-5, nefasto instrumento do regime militar.
Portanto, não há por que estranhar Silveira e os seus iguais, responsáveis por lançar rojões sobre o STF. O prédio, como se sabe, fica a poucas centenas de metros do Palácio do Planalto, onde trabalha o presidente.
Na escalada da violência política, a maior corte judiciária do país se tornou alvo preferido de ameaças extremistas e botes de serpentes. Em 3 de abril de 2018, véspera do julgamento, pelo STF, de um habeas corpus em favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, postou o seguinte tuíte: “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia”.
O habeas corpus foi negado e o ex-presidente continuou na prisão. Contudo, ficou evidente a tentativa de um comandante militar de exercer tutela sobre o poder civil. Em nome de que, com qual objetivo?
Não tardou para o Supremo ser novamente atacado. Logo após a posse de Jair Bolsonaro, quando ocorreram os primeiros entreveros do Governo com a Corte, seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, apontou a solução: “Para fechar aquilo ali, basta um jipe, um cabo e um soldado”. Recuou depois, mas ficou o recado.
Daniel Silveira, eleito com sobras de votos, áulico da direita das Forças Armadas, é cria desse serpentário que envenena o Brasil. Sua distância de Fabrício Queiroz – operador financeiro do senador Flávio Bolsonaro (outro filho) – e de Adriano da Nóbrega – miliciano que se dizia próximo do vereador Carlos Bolsonaro (mais um filho) - é apenas operacional. Todos estão no mesmo barco e remam no mesmo sentido.
O problema é não saber onde o barco pretende ancorar. Se no porto seguro da democracia ou no meio das violentas procelas de outra ditadura. Daniel Silveira, o marombado da hora, fez sua escolha e se deu mal. Vai continuar preso e responder a um processo político, na Câmara dos Deputados, que pode resultar na cassação de seu mandato.
Quando deixar a prisão, será recebido pelos radicais bolsonaristas como um herói das causas da extrema direita. Estará de novo nas ruas para espancar adversários, como já o fez. Terá do seu lado dezenas de outras crias. E nós? Acuados pelas serpentes?