A vacina Sputnik V e os fundos soberanos. Por Paulo Rubem Santiago

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José Matheus Santos

Publicado em 16/03/2021 às 15:48
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Por Paulo Rubem Santiago, professor da UFPE, Mestre e Doutorando em Educação (UFPE), em artigo enviado ao Blog


Os Governadores do Nordeste, por meio de consórcio, vão comprar 37 milhões de doses da vacina Sputnik V, contra a COVID-19, imunizante cuja empresa produtora teve apoio do Fundo Soberano da Rússia. O custo deverá ficar em R$ 55,50 por dose, segundo noticiado no sábado, 13/03, ao câmbio do dia, mais barato que os imunizantes das fabricantes Moderna e Pfizer.

Há décadas, Fundos Soberanos tem sido criados por diversos países, com reservas monetárias capitalizadas, sobretudo por recursos naturais, como o petróleo. A Arábia Saudita tinha seu fundo estimado em US$ 515 bilhões em 31/01/2020. O Brasil também criou seu fundo soberano. A ideia, inspirada nas experiências internacionais, se fortaleceu quando veio a público que a Petrobras havia encontrado, em 2005, gigantescas reservas de petróleo na camada pré-sal, tendo sido apontados seus primeiros indícios na Bacia de Santos, próximo a Parati. Três anos depois, em 24 de dezembro de 2008, seria criado então o Fundo Soberano, por meio da Lei 11.887, com natureza contábil e financeira, visando promover investimentos no Brasil e no exterior, formar poupança pública, mitigar os efeitos de ciclos econômicos e fomentar projetos de interesse estratégicos do país no exterior.

Posteriormente, na regulamentação da exploração do pré-sal, foi criado, inicialmente, o Fundo Social, Lei 12.351, de 22 de dezembro de 2010, dispondo sobre a exploração e a produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos em áreas do pré-sal e em áreas estratégicas, sendo depois aprovada três anos depois, a Lei dos Royalties do Pré-Sal, Lei 12.853, de 09 de setembro de 2013, “destinando para as áreas de educação e saúde parcela da participação no resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural”. Nesse sentido aprovei, na Lei do Fundo Social, a vinculação de 50% para a educação básica, conquistando também a vinculação de 50% do fundo dos royalties, divididos entre educação (¾ desses valores) e saúde (¼ desse valor). A primeira proposição findaria vetada por Lula por defender uma melhor divisão daqueles valores com as demais áreas sociais.

Construída essa plataforma jurídica e financeira, o que fez Michel Temer, dois anos após assumir a Presidência da República, com a cassação do mandato da Presidente Dilma Rousseff? Em 21 de maio de 2018, assinou Medida Provisória extinguindo o Fundo Soberano do Brasil, destinando seus R$ 26 bilhões de reais de saldo para pagamento da dívida pública, despesa improdutiva, o que já havia sido feito em janeiro do mesmo ano, subtraindo-se R$ 3,5 bilhões de reais do fundo. Com o preço ora anunciado para cada dose da Sputnik V, ainda que não produzíssemos vacinas e apenas corrigindo as reservas do Fundo, pelo IPCA, de maio de 2018 até fevereiro desse ano, poderíamos ter sido os primeiros a comprar o imunizante, cerca 440 milhões de doses, duas para cada brasileiro, ainda nos restando R$ 1,58 bilhão de reais em caixa.

A extinção do Fundo Soberano e a destinação dada a seu saldo foram decisões absolutamente irresponsáveis, contrárias a seus fins. Queimou-se um ativo que deveria financiar investimentos, compensar flutuações econômicas ou emergências, como agora, pagando-se despesas correntes, sem nenhum significado produtivo, como os juros da dívida pública. Não creio que tenha sido imperícia no trato do patrimônio público. O crime contra a saúde pública, portanto, não está, apenas, no atual governo, mas vem, no mínimo, desde Temer.

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