Adeus às ilusões liberais. Por Ricardo Leitão

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José Matheus Santos

Publicado em 06/04/2021 às 9:20
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Por Ricardo Leitão*, em artigo enviado ao Blog

Um dos principais formuladores do Plano Real, o economista Persio Arida alertou, em 2019: Jair Bolsonaro era um engodo liberal, de passado estatizante e corporativista, esquizofrenicamente escudado em Paulo Guedes, um ministro da economia privatista. Na hora das decisões cruciais, o ministro até tentou resistir, mas terminou cedendo todas as vezes, confirmando a velha máxima: manda quem tem a caneta na mão.

O presidente não poupa tinta. Nos últimos meses nada menos que 16 integrantes do primeiro escalão do Ministério da Economia – todos crentes do liberalismo econômico – foram afastados do governo. O último deles André Brandão, presidente do Banco do Brasil, trazido por Guedes da iniciativa privada.

Brandão estava no cargo havia seis meses. Tentava executar um plano de enxugamento das despesas do banco, que incluía o fechamento de 361 pontos de atendimento e o desligamento voluntário de 5 mil funcionários. Prefeitos e parlamentares ligados a Bolsonaro reagiram e o presidente avisou ao ministro que Brandão estava fora.

Caso semelhante ocorrera com a Petrobras, um mês antes. Sob a justificativa de conter os aumentos dos combustíveis, Bolsonaro substituiu o presidente da empresa, também indicado por Paulo Guedes, por um general de seu inesgotável estoque verde-oliva. A troca, evidentemente, não estancou a escalada dos preços, fixados pelo mercado internacional de petróleo.

As duas intervenções causaram estragos. As ações da Petrobras chegaram a cair 20% em dois dias, na Bolsa de São Paulo, provocando uma perda de R$ 102,5 bilhões no valor da petroleira. O Banco do Brasil perdeu R$12,7 bilhões em valor de mercado. As intervenções ainda enfraqueceram as posições da Telebras e Eletrobras, outras grandes estatais que também estariam na linha de tiro de Bolsonaro.

Descabelam-se os iludidos pelo discurso liberal do então candidato a presidente, defensor de uma “nova economia”. Nela, as estatais seriam comandadas por profissionais do mercado, que racionalizariam a sua gestão e, se fosse o caso, as encaminhariam à privatização. O ministro da Economia Paulo Guedes seria o fiador desse processo.

Como tantas outras promessas da campanha de Bolsonaro, nada disso aconteceu. Os gestores trazidos do setor privado foram substituídos por chefes bolsonaristas; as grandes privatizações ficaram na memória e, passados dois anos e três meses de governo, o Brasil não tem uma política econômica, enquanto crescem o desinvestimento, a inflação, o desemprego e a fome.

Por outro lado avolumam-se as apostas sobre a permanência de Paulo Guedes. Doutor pela Universidade de Chigaco (EUA), uma das catedrais mundiais do liberalismo econômico, ele é um homem rico, com fortuna estimada em R$ 1 bilhão. Na campanha, serviu de ponte entre os empresários e Bolsonaro, que viram no candidato capacidade de evitar o retorno da esquerda ao poder. Guedes ainda executa esse papel de ligação, essencial para o presidente. Porém está pressionado a liberar verbas para o Congresso, na tentativa de se evitar um processo de impeachment contra Bolsonaro.

É possível que permaneça à frente do Ministério da Economia, caso ajuste o que resta de sua agenda liberal à agenda prioritária do presidente: a reeleição em 2022. Essa é a agenda que fará o Banco do Brasil permanecer com agências deficitárias, para não contrariar vorazes aliados políticos e pode forçar a Petrobras a subsidiar os preços dos combustíveis, aumentando o seu prejuízo. Bolsonaro ganhará votos. E o Brasil?

Por paradoxal que pareça, é a possibilidade de Luiz Inácio Lula da Silva vencer a próxima eleição presidencial que contribui para a permanência de Paulo Guedes no ministério. A renascida ameaça da esquerda amalgamará a direita e todo o campo conservador. Bolsonaro não poderá prescindir de nenhum interlocutor junto à chamada “turma do dinheiro grosso”, como o ministro da Economia.

Haveria então a repetição do confronto político-eleitoral que beneficiou Bolsonaro em 2018. Só que agora tendo, do outro lado, um adversário que aprendeu a jogar o jogo, distribuir as cartas e, se necessário, se aliar a parceiros liberais, sempre em busca da “nova economia”.

*Ricardo Leitão é jornalista.

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