Negócios do vento em Pernambuco e o papel do ITERPE. Por Heitor Scalambrini Costa

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jamildo

Publicado em 29/04/2021 às 13:12
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Por Heitor Scalambrini Costa, professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco

O Instituto de Terras e Reforma Agrária do Estado de Pernambuco (ITERPE), é uma autarquia vinculada à Secretaria de Agricultura e Reforma Agrária, com autonomia administrativa e financeira, usufrui da prerrogativa de controle das terras públicas, de intermediar conflitos pela posse da terra, de implantação de assentamentos, da reformulação fundiária do território estadual, e a operacionalização do Programa Nacional de Crédito Fundiário.

Sua área de atuação tem tudo a ver com as questões vinculadas às áreas rurais, onde os conflitos pela terra são constantes e violentos. Nos últimos anos mais um tema foi adicionado a tantos outros, que permeia os conflitos relacionados com a posse da terra; o da instalação de grandes parques eólicos. Instalações que afetam diretamente os pequenos imóveis rurais, agricultores familiares, que em sua expressiva maioria, não tem a posse da terra que vive, trabalha e dela tira seu sustento por gerações.

Como é do conhecimento geral a instalação de aerogeradores, máquinas que transformam a energia do vento em energia elétrica, tem crescido exponencialmente no Brasil, em particular no Nordeste, onde estão localizados mais de 80% da potência eólica total instalada no país, correspondendo a pouco mais de 7.000 aerogeradores. O total destas instalações em 2021 atingiu uma potência expressiva de 18 GW (em 2011 era menos de 1 GW). Em um cálculo rápido, pode-se considerar que 1 MW ocupa em torno de 1 ha, ou seja, 18.000 ha aproximadamente já foram atingidos por tais equipamentos em todo território nacional, no Nordeste aproximadamente 15.000 ha (correspondendo a 15.000 campos de futebol).

Falar da energia eólica em grandes unidades geradoras centralizadas significa falar na ocupação de grandes superfícies contínuas. E quando estas instalações são no interior, a grande maioria, (outra situação são as instalações em áreas costeiras), ocupa o bioma Caatinga e os brejos de altitude, resultando em desmatamento e destruição ambiental. São nos terrenos de grandes altitudes, que as maiores velocidades dos ventos são encontradas, resultando em maior geração de energia elétrica, e mais lucros para os investidores dos parques eólicos.

Em Pernambuco, a “bola da vez” dos negócios do vento está apontado dirigida para os brejos de altitude, também conhecidos como florestas de serra. Locais que oferecem as melhores condições para o desenvolvimento de uma flora com características da Mata Atlântica, e da Caatinga. Comum nestes territórios são as nascentes de água, que alimentam importantes bacias hidrográficas.

Para atender aos interesses dos negócios do vento, o governo Estadual não tem medido esforços.

Com relação aos brejos de altitude, em 2015 a Lei Estadual 15.621 deste ano, alterou a Política Florestal do Estado (Lei 11.206/1995). Anteriormente era considerado que altitudes superiores a 750 m eram áreas protegidas de preservação permanente. Com a modificação a proteção passou a ser de áreas superiores a 1.100 m. O que significou a plena abertura para os negócios do vento se instalarem nos brejos de altitude.

Em setembro de 2020 foi sancionada a Lei Estadual 17.041, que também alterou a Politica Florestal do Estado, dispensando os empreendimentos eólicos e solar de manterem áreas destinadas a manutenção da vegetação nativa, que corresponde a 20% do total da área do imóvel, as Reservas Legais.

Mesmo depois do afrouxamento de sua Política Florestal, o governo de Pernambuco continua a favorecer as empresas eólicas que precisam dos imóveis rurais para instalarem os aerogeradores. Necessitam para adquirir as terras ou realizar os contratos de arrendamento, que os imóveis estejam regularizados, com a emissão do título de posse. Assim, o morador do imóvel poderá assinar estes contratos, cujo conteúdo contém cláusulas draconianas, contrárias a seus interesses.

O que têm-se verificado em Pernambuco é a ação espúria, antiética e imoral dos representantes do negócio dos ventos, aliados ao ITERPE, para que os moradores dos imóveis tenham o título de posse de seus imóvel (sonho acalentado pelos moradores), para poderem assinar o contrato de arrendamento. Assim, o que é um pleito, uma reivindicação dos moradores e suas famílias, acaba tornando um pesadelo, pois com os contratos de arrendamento assinados, os arrendatários permitem que durante 30 a 40 anos, estas terras sejam utilizadas pela empresa eólica. Faz parte das cláusulas contratuais, que obedecem a lógica da expropriação da terra, a renovação automática do período de arrendamento quantas vezes a empresa quiser, sem a aprovação dos proprietários.

O escandaloso neste processo é a ligação umbilical e promíscua do interesse público com o interesse privado. A incompatibilidade desta relação simbiótica tem a ver com as ações conflitantes e contraditórias do governo estadual.

Por um lado, o ITERPE promove reuniões com a empresa Mundo dos Ventos (atual PEC Energia) para a assinatura de um Acordo de Cooperação Técnica (?) para a regularização fundiária de imóveis rurais de interesse da empresa, nos municípios de Belo Jardim, Sanharó e Brejo da Madre de Deus.

Por outro lado, o Conselho Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco (Consema) aprovou em novembro de 2020, durante a sua 56ª reunião extraordinária, a criação de três novas Unidades de Conservação (UCs): a Área de Proteção Ambiental (APA) Serras e Brejos do Capibaribe, com 73.781, 65 hectares, entre os municípios de Brejo da Madre de Deus, Santa Cruz do Capibaribe, Belo Jardim, Vertentes e Taquaritinga do Norte; e o Refúgio de Vida Silvestre (RVS) Cabeceiras do Rio Capibaribe, com área de 6.926, 25 hectares, localizada nos municípios de Jataúba e Poção, além do Refúgio de Vida Silvestre Mata do Bitury, localizado entre os municípios de Brejo da Madre de Deus e Belo Jardim, que deve proteger 888,25 hectares de remanescentes de floresta de brejos de altitude. Lembrando que estes territórios são os mesmos ambicionados pelas empresas eólicas.

Tal mancomunação entre o ITERP e representantes dos negócios do vento é nocivo aos interesses das populações rurais e das reservas naturais que vão sofrer inúmeros impactos (desmatamento, destruição das nascentes e a devastação do meio ambiente) decorrentes da implantação de parques eólicos ocupando grandes áreas contínuas. Esta ação coordenada entre a iniciativa privada e o setor público, contrário aos interesses do homem do campo, exige explicações e maior transparência.

Este favorecimento de empreendimentos, que comprovadamente provocam danos ao meio ambiente, faz parte de uma política deliberada do governo estadual, na ânsia de trazer para o Estados novos empreendimentos, todavia, menosprezando a questão ambiental (o atual governo federal está fazendo escola).

O que ocorre em Pernambuco também ocorre em outros Estados da Federação. Onde se vale da presença da autoridade de instituições governamentais para agilizar a regularização fundiária (o que geralmente é um processo longo e penoso), com o intuito de atender interesses de grandes empresas, contando muitas vezes, com recursos fornecidos pelas próprias empresas através de acordos de cooperação.

Associado a ignorância, pobreza, a falta de políticas públicas, e ao desconhecimento dos reais impactos dos parques eólicos; os moradores das áreas rurais ficam completamente à mercê da ganância dos negócios do vento, verdadeiros “vendedores de ilusão”. Assim a regularização fundiária das terras dos pequenos imóveis rurais, que deveria ser comemorada, torna-se um pesadelo.

A pergunta que não quer calar é: “o ITERPE está a serviço de quem? ”. Deixo a resposta para os leitores.

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