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Homotransfobia é crime e não pauta moral, diz advogada

Agressão física, moral ou verbal é a face mais contundente

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jamildo

Publicado em 10/07/2021 às 10:21 | Atualizado em 10/07/2021 às 10:21
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Por Gisele Martorelli, em artigo enviado ao blog

A homotransfobia é crime inafiançável e imprescritível, passível de ser punido de um a cinco anos de prisão e, em alguns casos, multa. A união homoafetiva é legalmente reconhecida como entidade familiar, ou seja, casamento na forma da lei. Outras considerações para além disso serão sempre pautadas por critérios religiosos/morais, terreno movediço onde estão fincadas convicções pessoais, excludentes por definição.

É sempre bom lembrar que, desde junho de 2019, os ministros do Supremo Tribunal Federal, por 8 votos a 3, passaram a considerar como crime a conduta de discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, cuja punição se daria por analogia à Lei de Racismo (7.716/89), que prevê como crimes a discriminação ou preconceito por "raça, cor, etnia, religião e procedência nacional”. Há dez anos, em 5 de maio de 2011, por força de julgamento também realizado pelo STF, o Brasil passou permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, atribuindo aos casais homossexuais os mesmos direitos e efeitos jurídicos das relações heterossexuais.

São conquistas das quais o povo brasileiro deveria se orgulhar, medidas legais implementadas antes mesmo de alguns países vanguardistas na priorização das causas reivindicadas pela comunidade LGBTQIA+. Louvar essas disposições legais é importante, mas ainda mais premente é respeitá-las. Afinal, elas não foram conseguidas sem luta, muito pelo contrário.

Antes e depois de verem seus direitos reconhecidos e garantidos, casais do mesmo sexo precisaram superar vários e penosos obstáculos. Tiveram que percorrer todo o caminho judicial que leva à instância superior na hierarquia do sistema jurídico para, só assim, conseguirem assegurar uma cidadania plena, equivalente àquela conferida às pessoas heterossexuais.

Exemplos de conquistas que vieram à custa de muita luta foram a garantia da pensão previdenciária por morte do cônjuge e o direito à adoção. Sem o reconhecimento das uniões homoafetivas, até aspectos mais prosaicos do cotidiano, como a dependência no seguro saúde ou na carteirinha de um clube social, se tornavam uma impossibilidade. A verdade é que a comunidade LGBTQIA+ viveu por tempo demais à margem da inclusão social e do reconhecimento e proteção integral pelo Direito de Família.

Equiparar a conduta criminosa de transfobia e homofobia aos crimes previstos pela Lei de Racismo diz muito sobre a contínua invisibilização às causas LGBTQIA+. Esse “puxadinho” jurídico aconteceu porque o Congresso Nacional omitiu-se, propositalmente. A Lei Anti-Homofobia tramitou por oito anos no Senado e foi arquivada em 2015. Discriminar alguém em razão de identidade de gênero ou orientação sexual deveria ser considerado crime por uma lei específica, especialmente no Brasil, que lidera o ranking mundial em número de ocorrências de agressões a gays, travestis e transsexuais.

Só aqui em Pernambuco, no último mês, três mulheres transexuais foram brutalmente atacadas: Crismilly Pérola, moradora do bairro da Várzea, Zona Oeste do Recife, foi encontrada morta em via pública; Fabiana Lucas da Silva, no município agrestino de Santa Cruz do Capibaribe, assassinada a facadas por ter perguntado onde ficava o banheiro; Roberta Nascimento Silva, internada em estado gravíssimo, teve os braços amputados depois de ter seu corpo incendiado no Cais de Santa Rita, Zona Central da capital pernambucana. A repercussão na mídia ficou aquém da gravidade dos fatos.

Agressão física, moral ou verbal é a face mais contundente e óbvia da homotransfobia, mas não a única. Vigoram, em descompasso com os avanços arduamente conquistados em favor dos direitos dos LGBTQIA+, formas mais insidiosas e matreiras de se perpetuar o preconceito contra esta comunidade. Os instrumentos utilizados são a repulsa, a aversão, a incitação ao combate a um suposto inimigo da “moral” e dos “bons costumes, o bullying, a desumanização do outro e sua alienação como cidadão. É nessa área cinzenta onde transitam aqueles que se dispõem a perpetuar a intolerância e a injustiça, pretendendo assim ficar fora do alcance da lei.

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