Opinião

'Renan Calheiros não quer impedimento de Bolsonaro e deviou CPI para marcar a testa de Bolsonaro com o sinete da corrupção', diz Magnoli

As ruas também não são o que parecem. Sob a direção de partidos e movimentos que orbitam ao redor do lulismo, as manifestações antibolsonaristas são esculpidas de forma a evitar a unidade

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jamildo

Publicado em 10/07/2021 às 16:15 | Atualizado em 10/07/2021 às 16:22
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Impeachment parece descer sobre Brasília, mas as aparências enganam

Por Demétrio Magnoli

Nuvens de chumbo. As taxas de aprovação de Bolsonaro desabaram para 25%, enquanto a alta finança e o agronegócio finalmente abandonam o presidente. O cerco se fecha no Congresso, com a CPI da Covid, e nas ruas, com manifestações em plena pandemia. A sombra do impeachment parece descer sobre Brasília. Aqui, porém, vale o mais clássico dos chavões: as aparências enganam.

Impeachment exige, além de crimes de responsabilidade, que não faltam, um alto nível de consenso político e social. Consenso político: a ruptura de uma expressiva maioria parlamentar com o Planalto. Consenso social: o rechaço majoritário à figura do presidente, expresso não só em sondagens de opinião mas em massivas mobilizações populares. As duas precondições estão ausentes do cenário.

Na sua primeira etapa, a CPI da Covid documentou a extensa coleção de crimes do governo federal contra a saúde pública. Normalmente, CPIs têm a missão de desvendar mistérios. No caso da CPI em curso, não havia mistério: à luz do dia, o governo federal deixara a nação à mercê da pandemia, agravando desastrosamente a crise sanitária. A tarefa dos senadores circunscrevia-se à coleta de provas dos crimes cometidos pelo presidente e por seu círculo próximo.

A missão foi cumprida --mas, no lugar de um relatório devastador, base política e jurídica para o impedimento presidencial, a CPI desviou-se para um labirinto de investigações sobre obscuros esquemas de corrupção na aquisição de vacinas. O novo foco a converte em ferramenta de uma estratégia eleitoral. Renan Calheiros desempenhou papel crucial na reorientação, o que nada tem de casual.

A corrupção é a nota musical perene da vida política nacional desde a redemocratização. Hoje, a troca do foco do crime maior, contra a saúde pública, pelo menor, as artimanhas corruptas que cercam o contrato da Covaxin, atende aos interesses da campanha lulista. Até 2003, o PT exibia-se como o partido dos diferentes: uma ilha de santidade em meio ao oceano da depravação. Depois dos traumas do mensalão e do petrolão, inverteu seu discurso, passando a apresentar-se como o partido dos iguais: não somos nem mais nem menos corruptos que os outros.

Sob essa ótica, a CPI está destinada a marcar a testa de Bolsonaro com o sinete da corrupção. Seu relatório final, adiado para as calendas, não servirá para gerar a ruptura entre o Congresso e o Planalto, mas para sustentar um álibi eleitoral.

As ruas também não são o que parecem. Sob a direção de partidos e movimentos que orbitam ao redor do lulismo, as manifestações antibolsonaristas são esculpidas de forma a evitar a unidade. É por esse motivo que, ao lado da bandeira do impeachment, os organizadores erguem estandartes contra a "política neoliberal" e as privatizações.

Vivian Mendes, da coalizão Povo na Rua, explicita a rejeição à tática de frente única: "Nós trabalhamos para que as forças de direita não tenham voz nas ruas. A rua é de todos, mas vamos nos esforçar para que elas não tenham fala ou protagonismo". Tradução: os protestos de rua devem preparar a campanha eleitoral, cristalizando a polarização entre Bolsonaro e Lula.

A operação de mobilização limitada funciona. As manifestações são suficientemente amplas para produzir impacto político, mas permanecem restritas o suficiente para não precipitar um desenlace indesejado. O que se pretende não é impedir o presidente, mas sitiá-lo na sua casamata de Brasília até o dia do voto.

O interesse nacional é remover um presidente catastrófico, que rendeu a nação ao coronavírus e, ameaçando a democracia, planeja contestar sua inevitável derrocada eleitoral. O interesse da esquerda lulista, por outro lado, é prolongar a tragédia para retornar ao governo no turno inicial das eleições. A falência do chamado "centro" político assegura o triunfo do segundo sobre o primeiro.

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