opinião

Crimes (ainda) sem castigo

São quatro processos no Supremo Tribunal Federal e um processo no Tribunal Superior Eleitoral. As acusações vão desde a participação em atos antidemocráticos até prevaricação, passando por sucessivos episódios de atentados à saúde pública

Imagem do autor
Cadastrado por

JC

Publicado em 19/08/2021 às 11:30 | Atualizado em 19/08/2021 às 11:38
Notícia
X

Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog

Nunca na história desse País um presidente da República, no exercício do cargo, foi tão investigado sob suspeita de atos criminosos quanto Jair Bolsonaro. São quatro processos no Supremo Tribunal Federal e um processo no Tribunal Superior Eleitoral. As acusações vão desde a participação em atos antidemocráticos até prevaricação, passando por sucessivos episódios de atentados à saúde pública.

Na terça-feira, 17, Bolsonaro foi informado de que uma investigação irá se somar ao seu variado rol de suspeições: os senadores da CPI da Covid vão investigá-lo por falsificação de documento público, resultado de uma operação fraudulenta desastrada. No dia 6 de junho passado, o auditor do Tribunal de Contas da União Alexandre Marques enviou ao seu pai, por whatsapp, cópia de um estudo por ele elaborado mostrando haver supercontabilização de casos do coronavírus nos relatórios dos estados. As duas folhas de papel do estudo não tinham qualquer marca que as identificasse como documento do TCU.

Na noite do mesmo dia 6, Ricardo Marques – pai do auditor e amigo de Bolsonaro – encaminhou o estudo do filho para o presidente, também por whatsapp, sem nenhuma alteração no conteúdo. Na manhã do dia 7, na porta do Palácio da Alvorada, uma surpresa: Sua Excelência apresentou o estudo como “prova” da supercontabilização dos casos de Covid-19, o que lhe interessava como argumento no confronto com prefeitos e governadores. Mas não eram duas folhas de papel sem identificação de origem: no alto, estava impressa a logomarca do Tribunal de Contas da União.

Questionado pelos senadores da CPI, o auditor Marques não soube explicar como ela apareceu lá e assegurou também que não fora iniciativa de seu pai. Garantiu não ter a menor ideia de como, em menos de 12 horas, duas folhas de papel sem marcas se transformaram em um “documento” do Tribunal de Contas da União, depois de passarem pelas mãos de Jair Bolsonaro.

Falsificação total ou parcial de documento público é um crime grave, com potencial para desencadear um processo de impeachment do presidente da República. Diante das duas folhas originais e as duas outras, falsificadas, os senadores bolsonaristas da CPI sentiram o baque e recuaram. Caso confirmada pela perícia técnica já solicitada, a fraude tem potencial para desestabilizar o desgoverno de Sua Excelência, com ajuda de outras nas investigações em curso: as milícias digitais, financiadas por aliados de Bolsonaro, e as quadrilhas de compra de vacinas no Ministério da Saúde.

Pior presidente da história do Brasil, com a corrupção já enlameando os seus coturnos, Jair Bolsonaro não deu satisfações sobre o “documento” do TCU e a rede de propinas milionárias que vicejou no Ministério. Cada vez mais isolado, partiu para o ataque, ameaçando pedir o impeachment dos ministros Alexandre de Moraes e Luiz Roberto Barroso, do Supremo, que comandam as investigações sobre seus sucessos.

São mínimas as possiblidades de o Senado aprovar o pedido. Não tem problema. Outras iniciativas com igual finalidade virão. O importante é manter a tensão social e o estresse político, nem que seja patrocinando eventos patéticos, como um desfile de tanques e blindados, diante do Palácio do Planalto, para entregar a Sua Excelência convite de participação em um exercício militar de rotina.

Até quando Jair Bolsonaro esticará uma corda já esgarçada? O jogo do presidente é sempre alto e pesado. Sua investida contra o sistema eleitoral brasileiro disseminou descrença sobre a lisura da urna eletrônica, de consequências imprevisíveis no pleito do próximo ano. A corda será mais esgarçada nas comemorações do 7 de Setembro. Bolsonaristas prometem ir às ruas em defesa de um governo militar liderado por Bolsonaro, do impeachment de ministros do STF e contra a CPI da Covid e o “avanço do comunismo” no Brasil. Se dizem dispostos a confrontar a oposição – se necessário, fisicamente.

Não haverá uma declaração, um gesto, uma atitude do presidente da República para apaziguar ânimos próximos da fervura. O mais provável é que ele surja em algum lugar, cavalgando uma motocicleta, insuflando áulicos para que defendam a volta da ditadura militar. Não seria novidade. Foi o que fez, de pé na carroceria de uma caminhonete, em frente ao quartel do Comando do Exército, em Brasília, saudando a horda que pedia a volta do AI-5.

Cometeu um crime contra a Constituição e a democracia. Poderá cometer outros, da mesma natureza, nas manifestações do 7 de Setembro. Não foi e não será punido. São crimes (ainda) sem castigo. Na sombra da impunidade, o golpismo se nutre.

Tags

Autor