Opinião

Meu 11 de setembro. Por Terezinha Nunes

A multidão perplexa acompanhava na praça a tragédia, lamentando quando alguém caía ou batendo palmas, quando alguns conseguiam descer pela escada dos bombeiros

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Jamildo Melo

Publicado em 16/09/2021 às 16:52 | Atualizado em 16/09/2021 às 17:02
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Por Terezinha Nunes, em artigo enviado ao blog

Este sábado o mundo todo rememorou a maior tragédia em arranha-céus no mundo:o ataque às Torres Gemeas em Nova Iorque que deixou mais de 2 mil mortos há 20 anos. Poucos sabem que a segunda maior tragédia do gênero em número de vítimas fatais no planeta aconteceu no Brasil em 02 de fevereiro de 1974 quando um incêndio no edifício Joelma, em São Paulo, resultou na morte de 187 pessoas e deixou mais de 300 feridas.

E eu estava lá. Não na condição de vítima mas de repórter da sucursal do jornal o Globo em São Paulo. Aprendi a cumprir horário e até a chegar antes da hora nos compromissos e foi o que aconteceu naquela sexta-feira chuvosa da capital paulista. Pouco antes das 9 horas era a única repórter na redação quando o chefe de reportagem – o primeiro a chegar à sucursal– ouviu no rádio que estava começando um incêndio no Joelma e me escalou para ir ao local.

Eram 8h45m quando a fumaça começou a sair do 12.o andar do prédio que tinha 25 pavimentos. Saí nas carreiras e nem precisei de transporte pois a redação do Globo ficava no 19.o andar de um edifício na esquina da rua da Consolação com avenida São Luís, a cerca de 500 metros do local. De longe avistei as labaredas e pedaços de tecido das cortinas voando para o lado de fora.

O Joelma era uma bomba-relógio no que se refere a resistência a incêndio. Construído para abrigar escritórios – nem todos estavam ocupados ainda – tinha divisórias e móveis de madeira, pisos acarpetados, cortinas de tecido e forros internos de fibra sintética.

Demorou poucos minutos para o fogo não só tomar o rumo dos andares mais altos mas também atingir os inferiores. Quando cheguei ao local a cena já era de horror. Pessoas acenavam dos janelões pedindo socorro, algumas desesperadas se atiravam ou despencavam das escadas magirus do Corpo de Bombeiros que não conseguia passar do 12.o andar onde vítimas se aglomeravam tentando sobreviver.

A multidão perplexa acompanhava na praça a tragédia, lamentando quando alguém caía ou batendo palmas, quando alguns conseguiam descer pela escada dos bombeiros. Um rapaz arrancou aplausos seguidos quando, pendurado nos parapeitos do edifício, ia se jogando para os andares mais baixos até ser salvo. Cada andar que atingia era motivo de regozijo da multidão.

Muitas pessoas foram para o topo do edifício imaginando que ali pudesse haver um heliporto como acontecera dois anos antes em outro edifico incendiado, o Andraus. Pura frustração, o equipamento não existia. Os bombeiros conseguiram salvar algumas fazendo uma ligação com um edifício vizinho através de um cano grosso mas quando isso aconteceu muitos já tinham morrido.

No calor da tragédia consegui gravar todos os pormenores na minha mente mas quando voltei para redação caí na real. Redijo rápido mas tive dificuldade de escrever o que, ainda bem, não era problema na época pois o jornal só circularia no dia seguinte e deu tempo de sobra para concluir o trabalho.

Além das vítimas fatais ou sequeladas que estavam no edifício, quem trabalhava ou morava em andares altos em São Paulo passou a conviver com o medo de incêndio. Na redação do Globo e em vários outros edifícios providenciamos rolos de corda para, em caso de sinistro, tentar sair pelas janelas.

Depois disso nunca mais fui a mesma. Me dei conta do perigo dos andares altos e até hoje só moro em até o quarto ou quinto andar. Também desenvolvi o horror pelo fogo ao ponto de um mês depois, ao ir cobrir incêndios nas florestas no interior do Paraná, ter me surpreendido em desabalada carreira em uma estrada de terra quando o fogo se espalhou.

Imagino quantas pessoas, vítimas diretas nas Torres Gêmeas e no Joelma, não carregam até hoje sequelas psicológicas. Em 1978, já no Recife, trabalhando na Revista Veja ainda sentia os efeitos da catástrofe. Tive síndrome do pânico, debelada com remédios e terapia onde ficou patente que o drama do Joelma atingiu também quem assistia como profissional ou mesmo transeunte.

Os americanos, como os paulistas na época do Joelma, sentiram na pele o peso dos acontecimentos. Os primeiros só descansaram quando mataram Osama Bin Laden e colocaram em ação um grande plano de combate ao terrorismo. Em São Paulo, os edifícios passaram a ser construídos dentro de outros patamares e os bombeiros ganharam equipamentos para ir até o topo de grandes arranha-céus. Tragédias também nos dão lições de vida.

 

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