Folia, ônibus e faixas exclusivas Uma análise da (i)mobilidade no Carnaval

Publicado em 25/02/2018 às 19:36 | Atualizado em 13/05/2020 às 11:45
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Fotos: Alexandre Gondim/JC Imagem  

 

Para alguns, o tema pode estar velho, mas as dificuldades de mobilidade durante o Carnaval do Recife e de Olinda precisam ser discutidas e observadas. Principalmente porque elas se repetem ano a ano, folia após folia. E, para que analisemos com fundamento, e não apenas tendo como sustentação achismos e reclamações calorosas dos foliões, é preciso dar tempo para que os números da operação se consolidem e o corpo técnico do governo estadual e das prefeituras concluam seus raciocínios. O foco da análise – já adiantando – não é o automóvel, mas o transporte coletivo. E por uma razão principal: há pelo menos cinco anos, a sociedade tem sido incentivada a utilizar o ônibus, o metrô e o táxi para chegar aos focos da folia. Seja pela pressão financeira e moral da Operação Lei Seca, seja pela massiva insistência dos gestores públicos – com o amplo apoio da mídia – para convencer a população a deixar o carro em casa ao criar serviços especiais para os foliões.

Será que o poder público está oferecendo um serviço de transporte equivalente ao estímulo que vem promovendo para que a sociedade troque o automóvel pelo ônibus no Carnaval? Blog De Olho no Trânsito

E ela tem respondido satisfatoriamente a essa provocação. Os números fechados do transporte público na folia mostram que muita gente já se convenceu de que a melhor opção são as linhas expressas (que não param para embarque ou desembarque). A demanda é crescente em relação a 2017. E o Expresso da Folia, serviço iniciado pela Prefeitura do Recife há 17 anos e modelo para outras linhas criadas para o Carnaval, é o que mais impressiona: o aumento foi de 62%. Somente na segunda-feira, a utilização aumentou 86%. Na Expresso da Folia no Galo, que opera apenas no Sábado de Zé Pereira, chegou a 78%. As linhas expressas criadas pelo Grande Recife Consórcio de Transporte (GRCT) seguiram o mesmo ritmo. O crescimento da demanda de passageiros foi de 45% nas linhas para o Bairro do Recife e Galo da Madrugada, e de 17% para Olinda. Foram aproximadamente 100 mil pessoas utilizando apenas as linhas expressas nesse Carnaval. E a frota precisou ser aumentada em todos os dias. Ou seja, são serviços de transporte que demonstram força, potencial. Isso ninguém discute. Mas por outro lado, as reclamações sobre a demora para embarque nos coletivos e pelo fato de os ônibus ficarem presos no trânsito, em meio aos carros, continuam. Conforme o shopping de onde saíam as linhas, o horário e o dia, muitos passageiros afirmaram que o número de veículos é pequeno e o intervalo entre as partidas é longo. São queixas que justificam o questionamento: será que o poder público está oferecendo um serviço de transporte equivalente ao estímulo que vem promovendo para que a sociedade troque o automóvel pelo ônibus no Carnaval?

 

Na avaliação de quem gerencia o sistema de transporte, a falta de prioridade viária para o coletivo continua sendo o principal problema. Mesmo reforçando a frota, os veículos não conseguem reduzir a espera no embarque porque estão retidos nos congestionamentos. “O necessário é prioridade viária. Não precisa ser uma faixa exclusiva para todo o percurso das linhas. Seria importante em alguns gargalos já conhecidos de todos. No caso do sistema metropolitano, nosso gargalo é o serviço para Olinda. Por isso, seria importante faixas em dois pontos: no Viaduto Capitão Temudo (complexo Joana Bezerra), durante o desfile do Galo da Madrugada; e na entrada de Olinda, logo após o limite com o Recife. Poderiam ser faixas operadas manualmente”, afirma Mário Sérgio Cornélio, coordenador de operações do GRCT.

 

 

De fato, as linhas expressas circularam quase sem faixas exclusivas. Em Olinda, elas inexistiram, obrigando os ônibus a entrar na disputa por espaço na via ainda no começo da Avenida Olinda. No Recife, foram duas prioridades: cerca de 500 metros de um corredor exclusivo no começo do Cais de Santa Rita e um tráfego livre a partir do bloqueio da Rua Princesa Isabel com a Rua do Hospício. Mas até chegar a esses dois pontos, os coletivos seguiam no meio dos carros (muitos deles Ubers) e dos táxis. Taciana Ferreira, presidente da Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU) e responsável pelas linhas Expresso da Folia e Expresso da Folia no Galo (serviço mais elogiado do que o do governo do Estado), discorda da ampliação das faixas exclusivas na cidade. Para ela, a prioridade dada aos coletivos na capital é suficiente. “Implantar faixas exclusivas ao longo do percurso das linhas é complicado e desnecessário.

A operação que montamos no Cais de Santa Rita e na Ponte Princesa Isabel trouxe ganhos positivos no caso do Expresso da Folia. Agora, a população precisa entender que por melhor que seja o serviço ofertado, ele nunca será suficiente para atender a uma grande demanda localizada a tempo e na hora que todos desejam. Teremos que estar sempre atentos para conciliar uma boa oferta de transporte com uma grade de atrações dividida em dias diferentes. Isso é fundamental”, pondera, numa referência às segundas-feiras de Carnaval que sempre lotam o Bairro do Recife e que geralmente têm grandes nomes da música se apresentando no Polo do Marco Zero. A falta de opção de deslocamento para os foliões que chegam aos shoppings nas linhas expressas durante o fim da noite e madrugada é outro problema que precisa ser enfrentado, afinal, quando foram pensadas a ideia era que o motorista fosse de carro até os malls. Mas, com o crescimento da Lei Seca, as pessoas começaram a temer fazer qualquer deslocamento de carro após beber. O resultado é que muitos foliões têm chegado aos shoppings e não conseguem continuar até suas casas. É preciso rever essa estrutura oferecida, talvez fazer uma parceria com táxis e Apps para que haja oferta 24h durante o Carnaval. Ou seja, o desafio não é mais convencer a população a adotar o transporte público na folia. Essa misão tem sido alcançada. A meta agora é fazer com que as pessoas que estão deixando os carros em casa não voltem para eles porque desistiram do ônibus no Carnaval. Fica a dica.  

 

Abaixo, o relato do jornalista paulista Jonathan Pereira, que veio conhecer o Carnaval do Recife e Olinda e utilizou as linhas expressas

“Fui passar meu primeiro carnaval no Recife. Os dias mais caóticos foram o sábado para Olinda e a segunda para o Bairro do Recife. No sábado, no Shopping Recife, a fila para pegar os ônibus davam voltas no estacionamento, e os coletivos demoravam quase 10 minutos entre um e outro, no fim da manhã. Muita gente furava fila tanto na ida quanto na volta de Olinda, pois tinham pouquíssimos fiscais/orientadores para organizar. Se esse caos de sábado se repetisse nos dias seguintes, tenho certeza de que poderia acontecer até morte, pois a espera para embarcar era bem estressante - sobretudo na volta, com as pessoas já alcoolizadas. Mas, a partir do domingo, esse trajeto se normalizou - acredito que muitos tenham ficado traumatizados e desistiram de usar o transporte público para Olinda, preferindo o táxi ou o Uber.

 

Foto: Arquivo pessoal  

Na noite da segunda para a terça, os shows do Marco Zero e do Rec Beat terminaram no mesmo horário (2h), e um mar de gente tomou as ruas procurando uma forma de voltar para casa - o número de ônibus era insuficiente e não havia táxi nem Uber nas ruas. Levei 1h40 até conseguir embarcar em um dos ônibus até o Shopping Recife, e lá o problema não terminou: teve motorista do Uber que aceitou a corrida - que já estava custando o dobro do preço por conta da tarifa dinâmica -, mas ligou querendo saber o valor que aparecia no App - o que é ilegal pela política do Uber - e ainda pediu mais dinheiro para ir, o que foi pior ainda.

Apenas o quinto motorista a aceitar a corrida veio. Nessa noite, um trajeto que deveria levar 40 minutos levou 2h30 - o que me fez desistir de acompanhar o encerramento no Marco Zero no dia seguinte, com medo de que a situação se repetisse. Acredito que a situação pudesse ter sido melhor se os corredores de ônibus tivessem um trajeto maior - eles começavam quase chegando no Bairro do Recife, o que não facilitava a fuga do trânsito -, houvesse mais ônibus disponíveis nos horários de pico tanto para lá (Bairro do Recife) quanto para Olinda, e se as pulseiras pudessem ser compradas com mais antecedência, ao invés de só no dia

(*). Isso reduziria uma das filas que se precisava pegar. O esquema dos ônibus para ir e vir estava com bons horários e preço justo, só precisava ser aprimorado ampliando os corredores, aumentando a quantidade de ônibus e de fiscais para evitar o desrespeito às filas.”

(*) Jonathan Pereira não sabia que as tarifas das linhas expressas podiam ser compradas pelo App Cittamobi

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