As polêmicas do projeto de requalificação da Avenida Conde da Boa Vista

Publicado em 01/04/2019 às 14:24 | Atualizado em 12/05/2020 às 12:36
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Foto: Arnaldo Carvalho/JC Imagem  

 

O projeto que pretende transformar a Avenida Conde da Boa Vista, um dos mais importantes corredores de transporte coletivo não só da capital, mas de toda a Região Metropolitana do Recife, é polêmico desde sempre. Foi lá atrás, em 2008, quando o mesmo município do Recife, então sob gestão do PT, gastou R$ 14 milhões para transformar a via no que hoje as pessoas – inclusive a própria prefeitura – define como “mostro urbano”. O que é verdade – quem circula pela Conde da Boa Vista, principalmente a pé, de bicicleta ou de ônibus, vai concordar com a afirmação. E continua sendo polêmico. Mesmo com a defesa ferrenha da atual gestão de que o projeto vai humanizar o corredor, elevando a protagonistas o pedestre e o passageiro do transporte coletivo, o que significa mais espaço, proteção e prioridade para a caminhabilidade e o embarque e desembarque dos ônibus, há questionamentos sendo feitos à proposta, inclusive judicialmente. Mostramos aqui alguns deles, ao mesmo tempo em que apresentamos os argumentos da prefeitura. Lembrando que, agradando ou não, a transformação da Conde da Boa Vista começa nesta terça-feira (2/4) e se arrasta por, no mínimo, 18 meses.

 

QUESTIONAMENTOS CONTRÁRIOS AO PROJETO

– Ausência de ciclovia

O principal questionamento ao projeto – e que já rendeu uma ação civil pública que tramita na 8ª Vara da Fazenda Pública da Capital – contesta a ausência de uma ciclovia (quando a estrutura para o ciclista é totalmente segregada do tráfego de veículos, isolada por uma barreira física) no corredor. O equipamento está previsto no Plano Diretor Cicloviário da Região Metropolitana do Recife (PDC), um estudo sobre a infraestrutura ciclável necessária para a RMR e que custou quase R$ 1 milhão aos cofres públicos.

Os ciclistas argumentam que o município está ignorando o PDC e, assim, contribuindo para que vidas de pessoas que pedalam sejam perdidas. Os ciclistas fizeram um pedido de liminar, mas a Justiça até agora segue sem posicionamento, apesar de as obras já começarem na próxima semana. “Por isso entendemos a urgência na apreciação dessa matéria pela Justiça, especialmente o pedido da liminar, pois sua apreciação e deferimento quando as obras não tiverem iniciadas promoverá uma melhor discussão sobre o projeto da “nova” Avenida Conde da Boa Vista, bem como garantirá mais segurança a todos, tendo em vista que o projeto na referida requalificação não contempla o estabelecido no PDC e nas outras legislações citadas na ação”, afirma o advogado da Ameciclo, Denes Menezes.

 

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– Exclusão social com a retirada dos camelôs

É o segundo calcanhar de Aquiles do projeto municipal. Não há dúvidas de que o número de comerciantes informais que serão autorizados a trabalhar, pelo menos legalmente, na Conde da Boa Vista será muito menor do que o que hoje está na via, principalmente nas imediações do Shopping Boa Vista. E a prefeitura já deixou isso claro. Serão apenas 50 “fiteiros” no corredor e os ambulantes cadastrados terão prioridade.

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Os comerciantes informais já avisaram que não aceitam um número tão baixo e que precisam da avenida para sobreviver. Que atualmente são mais de 300 trabalhadores no corredor e que isso precisa ser considerado pela prefeitura. “A guerra está declarada. Se tentarem tirar os trabalhadores sem dar alternativa iremos tocar fogo na cidade. O comércio informal está em todo canto e temos força e união. Você duvida que temos força para parar essa cidade?”, questionou Edvaldo Gomes, presidente do Sindicato do Comércio informal do Recife (Sintraci).

– Ônibus convencionais perdem corredor

Pelo projeto da Nova Conde da Boa Vista, as paradas voltam para as calçadas, à direta da avenida. Somente o BRT fica à esquerda, com as estações no canteiro central da via. Há quem entenda que, dessa forma, o transporte coletivo estará perdendo o corredor exclusivo e, assim, disputará espaço com os veículos particulares que circulam em trechos das via.

– Carros continuam na avenida

Embora a prefeitura garanta que os carros não terão vez na nova Conde da Boa Vista, existe o temor de que, sem o corredor de ônibus, os veículos particulares continuem circulando na avenida. Pelos estudos do projeto, eles representam menos de 10%, mas estão lá e, com as mudanças, poderão trafegar misturados aos ônibus convencionais e BRTs. Para alguns urbanistas e técnicos em transporte, o carro deveria ser banido definitivamente da Conde da Boa Vista.

 

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ARGUMENTOS A FAVOR DA MUDANÇA

– Sem segurança para o ciclista

A Prefeitura do Recife diz que a dificuldade em garantir a segurança dos ciclistas impossibilitou a implantação da estrutura na avenida. Isso porque, estudos mostraram não ser possível deixar apenas os BRTs circulando na via, como foi pensado no começo. Foi constatado que o percentual de interesse na Conde da Boa Vista é muito grande entre as pessoas que utilizam as linhas que passam na via. É difícil ignorá-lo. Embora a avenida represente apenas 6% da extensão de muitas das linhas que se dirigem ao corredor, ela é o destino principal de 35%, em média, dos passageiros que as utilizam. Para compensar, o município criou uma rede ciclável de 10 a 12 quilômetros de extensão em vias do entorno da Avenida Conde da Boa Vista.

Para implantá-la, vagas de estacionamento público para veículos particulares serão suprimidas. Essa é a promessa. “Fizemos de tudo, mas não foi possível. Não tínhamos calha na via para acomodar uma ciclovia sem comprometer a circulação dos ônibus e a segurança de ciclistas e pedestres. Colocar um equipamento compartilhado na calçada também seria impossível. Estamos falando da circulação de 300 mil pessoas, sendo que menos de 1% são ciclistas”, explica o secretário de Infraestrutura do Recife, Roberto Gusmão.

– Impossível atender a todos os ambulantes e garantir a caminhabilidade da avenida

A prefeitura está decidida sobre a quantidade de ambulantes que deixará na Conde da Boa Vista. Argumenta que não pode colocar mais porque, se o fizer, comprometerá a caminhabilidade do corredor, que tem os pedestres como principal alvo. Alega que não há espaço para todos. Além dos 50 fiteiros previstos, pretende acomodar os outros trabalhadores informais que estão cadastrados na prefeitura – atualmente seriam 79, embora já tenha divulgado 94.

O município diz, ainda, que vai conversar com os ambulantes, mas que isso só será feito a partir do início de 2020, já que a retirada dos camelôs acontecerá apenas na sexta e última etapa do projeto, prevista para o fim do primeiro ou início do segundo semestre do próximo ano. “Estamos criando espaços para acomodar os grupos de acordo com os produtos comercializados. Temos preparado espaços para concentrá-los e vamos usar algumas ruas do entorno da Conde da Boa Vista. Mas de fato não caberá todos no corredor”, avisa o secretário de Mobilidade e Controle Urbano do Recife, João Braga.

 

– Ganho de velocidade dos ônibus é a segunda prioridade

A prefeitura discorda do questionamento de que os ônibus serão prejudicados no projeto. Ao contrário, garante que eles são, junto com os pedestres, a essência da Nova Conde da Boa Vista. Até porque, das 310 mil pessoas que diariamente circulam pela avenida, 155 mil estão no transporte público. Ou seja, há razões de sobra para que ele tenha total prioridade na via.

“Nosso objetivo ao decidir pela transferência das paradas convencionais para a direita e pela permanência das estações de BRT no centro da via foi dar velocidade operacional a eles. A avenida será prioritariamente dos ônibus e BRTs”, argumentou a presidente da Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU), Taciana Ferreira.

A decisão de manter os ônibus convencionais circulando na Conde da Boa Vista teve embasamento técnico. Uma pesquisa de origem e destino em 51 linhas que há três anos operavam no corredor, hoje reduzidas para 49 ligações. A pesquisa foi feita pela Secretaria das Cidades e coordenado pelo professor Maurício Pina, especialista em transporte público que ensina na Universidade Federal de Pernambuco e na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). A principal conclusão do estudo foi que seria impossível reduzir o número de linhas convencionais na via, deixando o tráfego exclusivo ou prioritário para os BRTs.

 

– Desestímulo ao carro 

Pelo menos nos planos da Prefeitura do Recife, os veículos particulares terão cada vez mais dificuldades para circular pela Avenida Conde da Boa Vista. O projeto, segundo a PCR, vai criar entraves para que não compense ao motorista utilizar a via. Para que ele se sinta desmotivado e a utilize apenas se for acessar o comércio ou as residências do corredor. Entre os entraves para o carro, o reforço da fiscalização eletrônica restringindo a circulação e o aumento do tempo e da quantidade de travessias, inclusive elevadas, para os pedestres.

A possibilidade de proibir o tráfego de veículos particulares na Avenida Conde da Boa Vista foi descartada novamente – no projeto de 2008, quando a via ganhou o corredor de ônibus com as paradas centrais, também chegou a ser cogitado – porque existem 370 estabelecimentos comerciais e 1.500 unidades habitacionais instaladas na avenida. Um volume de pessoas que precisa chegar e sair, embora o transporte individual represente apenas 10% da circulação diária do corredor. Na verdade, segundo os estudos da gestão municipal, as pessoas chegam e saem da avenida é no transporte público (50%) e a pé (40%).

No sentido Centro-subúrbio, a restrição ao transporte individual continuará a mesma. Os veículos particulares poderão acessar o corredor a partir da Rua do Hospício e seguir nele até a Agamenon Magalhães ou a Rua Dom Bosco, por exemplo. As principais mudanças acontecerão no sentido subúrbio-Centro. Será nele que a restrição será maior. No lugar de seguirem em frente até a Rua do Hospício, como acontece hoje, os carros só poderão circular por uma quadra, sendo obrigados a entrar à direita. A prefeitura diz que vai instalar radares para autuar os condutores que desrespeitarem as regras de giro de quadra e insistirem em percorrer duas ou mais quadras, por exemplo.

 

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