Radares salvam vidas. É fato, não achismo

Publicado em 08/04/2019 às 7:00 | Atualizado em 12/05/2020 às 12:27
Dnit apresentou estudo à Justiça Federal em Brasília defendendo os radares
FOTO: Dnit apresentou estudo à Justiça Federal em Brasília defendendo os radares
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Decisão do presidente Jair Bolsonaro de suspender instalação de radares no País é criticada por especialistas em segurança viária. Dois mil radares estão desligados desde janeiro nas BRs. Fotos: Bianca Sousa/JCImagem

 

Não foi à toa que a decisão da Presidência da República de suspender a instalação de 4 mil radares que monitorariam 8.015 pontos nas estradas federais, reforçada pelas declarações do presidente Jair Bolsonaro de que a maioria tem o único intuito de retorno financeiro aos Estados, provocou um impacto negativo entre aqueles que lidam diariamente com a segurança viária brasileira. Gente que, direta ou indiretamente, luta para reduzir as 34,3 mil mortes anuais no trânsito (dados de 2017) e os R$ 56 bilhões (dados de 2014) gastos na saúde pública. Equipamentos de fiscalização eletrônica de velocidade são, comprovadamente, eficientes na redução não só das colisões de trânsito – a grande maioria, é importante destacar, não pode ser chamada de acidente –, mas principalmente da mortalidade dessas colisões. Ou seja, elas podem até acontecer, mas como os veículos estão desenvolvendo velocidades menores, matam menos e ferem com menor gravidade. Isso significar salvar vidas. Essa redução já chegou a 69% numa análise feita pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT) em 321 pontos de fiscalização de velocidade, entre 2002 e 2007.

Os radares estão ali para pegar o infrator contumaz, que leva duas, três, quatro multas no ano. Essa é a mesma pessoa que joga o lixo no chão, que não recicla seu lixo, ou seja, a infração está em seu DNA. A grande maioria da sociedade – 97% – não comete infração. As infrações ficam concentradas entre 3% e 4% dos motoristas no País todo. Assim, se você tirar o radar estará beneficiando o infrator e não a sociedade do bem”, José Ramalho, do Observatório Nacional de Segurança Viária  

“Retirar os radares das estradas é um contrassenso à segurança viária. Pois os radares estão instalados mediante estudos técnicos. Nenhum deles é instalado sem ser averiguado o local, o volume de veículos que circulam no trecho e os riscos de acidentes. A decisão do Governo Federal é um contrassenso, principalmente porque o cidadão de bem não se incomoda com os radares. A sociedade gosta da câmera no shopping, no condomínio e na escola do filho. Porque elas estão ali para dar maior segurança. Os radares são instalados para proteger a sua segurança e a sua vida. Por isso o ONSV é a favor da manutenção dos radares nas rodovias brasileiras”, defende José Aurélio Ramalho, diretor presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), instituição social dedicada a desenvolver ações embasadas em estudos para reduzir os acidentes no trânsito brasileiro.

E diz mais: “Os radares estão ali para pegar o infrator contumaz, que leva duas, três, quatro multas no ano. Essa é a mesma pessoa que joga o lixo no chão, que não recicla seu lixo, ou seja, a infração está em seu DNA. A grande maioria da sociedade – 97% – não comete infração. As infrações ficam concentradas entre 3% e 4% dos motoristas no País todo. Assim, se você tirar o radar estará beneficiando o infrator e não a sociedade do bem”, reforça José Ramalho.

 

 

E não é apenas o ONSV que faz a defesa da fiscalização eletrônica de velocidade. Pesquisa realizada em 2014 pelo Insurance Institute for Highway Safety (IIHS), organização independente financiada pelas seguradoras dos Estados Unidos, mostrou que a instalação de radares promove uma mudança cultural dos motoristas. E, consequentemente, gera a redução de mortes e ferimentos nas vias, principalmente nas estradas, onde o excesso de velocidade é mais danoso porque é mais comum se ultrapassar os limites. Foi constatado que a probabilidade de morte ou lesão incapacitante nas colisões era 19% menor quando há radares.

 

 

A pesquisa foi realizada no condado de Montgomery, próximo a Washington. Por um ano, o comportamento dos condutores foi analisado na cidade, que contava com 56 câmeras fixas, 30 câmeras portáteis e 6 vans de controle. Na área residencial, o limite de velocidade permitido era de 56 km/h – no Brasil é de 60 km/h, inclusive nos perímetros urbanos cortados pelas rodovias. O IIHS constatou que, já nos primeiros 6 meses, houve redução da proporção de motoristas que dirigiam a ao menos mais de 16 km/h acima do limite nas ruas onde as câmeras foram instaladas. O estudo também comparou os acidentes ocorridos nessas estradas monitoradas com estradas similares nas proximidades de Virgínia que não tinham câmeras. Foi constatado que a probabilidade de morte ou lesão incapacitante nas colisões era 19% menor em Montgomery.

 

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Enquanto o Brasil retrocede na questão dos radares – com o presidente da República afirmando nas redes sociais que eles são indústrias de multas –, nos EUA a prática da segurança viária está bem à frente do tempo: desde 2012 são usados os chamados corredores de câmeras de velocidade. Nesse sistema, as câmeras monitoram não um ponto específico, mas um longo trajeto da estrada. Elas são movidas de lugar periodicamente para que os motoristas não memorizem onde estão instaladas. E os resultados são positivos: sob esse sistema, houve uma queda de 30% na probabilidade de um acidente levar à morte ou a algum ferimento incapacitante após a instalação das câmeras. O IIHS significa Instituto de Seguros para Segurança de Rodovias e é uma organização sem fins lucrativos dos EUA, fundada por empresas de seguro de automóveis, estabelecida em 1959 e sediada em Arlington, no Estado americano da Virgínia.

 

Discurso de indústria de multas não se sustenta. Apenas de 3% a 4% dos motoristas cometem infrações no País.

 

A decisão do presidente – isso precisa ser explicado – não só estagnou a modernização e instalação de novos radares como está impedindo o religamento dos equipamentos que já estão instalados na malha rodoviária brasileira não concessionada e foram desligados por falta de renovação do contrato desde janeiro deste ano. Estamos falando de 52,7 mil quilômetros de rodovias federais no País, fiscalizados por 5.500 pontos de monitoramento (o que não significa 5.500 radares, pois um equipamento pode cobrir mais de um ponto). Segundo informações extraoficiais, dos 5.500 pontos monitorados, apenas 440 estariam em operação atualmente. Os demais estariam desativados. Em Pernambuco, ainda funcionam apenas os radares instalados no trecho da BR-232 que está sob gestão até hoje do governo do Estado – convênio firmado ainda na época da duplicação da rodovia até Caruaru, no Agreste pernambucano.

Ciente da polêmica gerada, o governo federal se fechou e pouquíssimas informações têm sido repassadas à imprensa. Por email, o Ministério da Infraestrutura afirmou que se trata de uma decisão presidencial. Que são 8.015 faixas monitoradas, o que representa, em média, 4 mil equipamentos – já que cada uma das vias terá um sensor. E que os contratos decorrentes do edital, se utilizados em sua totalidade, teriam um custo de R$ 1,029 bilhão por cinco anos. Não deu prazos para a conclusão das análises sobre a “real utilidade” dos radares nem quando os que já existem seriam religados. Também disse não saber, por enquanto, quantos existem por Estado.

O DNIT, gestor dos contratos dos radares e das rodovias, foi ainda pior. A superintendência em Pernambuco não respondeu e repassou os questionamentos da reportagem para o órgão em Brasília, que simplesmente ignorou o JC. Entre as perguntas, qual a quantidade e o tipo de radares que hoje estão em operação no Estado, além da indagação sobre a quantidade que está desligada desde janeiro. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Brasília, que sofre diretamente com a violência nas estradas e em diversas ocasiões defendeu a fiscalização eletrônica de velocidade, também silenciou sobre a decisão presidencial.

 

 

PELO MUNDO

O IIHS também cita, em publicações de 2005, resultados positivos do uso de fiscalização eletrônica de velocidade na Grã-Bretanha e no Estado de Victoria, na Austrália. Segundo o instituto, Victoria adota radares desde 1985 e a Grã-Bretanha, desde 1991. Os dois lugares tinham 4,5 mil câmeras instaladas no início dos anos 2000 e, por isso, passaram a ter redução na violência no trânsito.

A proporção de motoristas que dirigem acima dos limites de velocidade diminuiu em até 66% em Victoria e em 32% na Grã-Bretanha desde o início dos programas de instalação de radares. Em Victoria, o número de acidentes chegou a ter uma redução de até 35%, dependendo do ponto analisado. Na Grã-Bretanha, a redução de mortes e ferimentos foi de aproximadamente 40%.

A London School of Economics and Political Science (LSE) obteve resultados parecidos com o do instituto norte-americano. A universidade britânica analisou cerca de 2,5 mil pontos monitorados na Inglaterra, na Escócia e no País de Gales, baseado em órgãos locais e no Departamento de Transporte (DfT). De 1992 a 2016, o número de acidentes nesses países caiu em até 39%, enquanto o número de mortes diminuiu até 68% no perímetro de 500 metros dos novos radares de velocidade instalados.

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