Foram quatro ônibus em 15 dias, levantando desconfianças sobre a manutenção e segurança da frota. Fotos: Acervo JC Imagem
Ônibus têm pegado fogo nas últimas semanas e meses na Região Metropolitana do Recife, algo até então incomum para a população. Por sorte, o pernambucano não tem hábitos incendiários e a frota de coletivos não costumava provocar episódios do tipo. Mas foram três ônibus que queimaram em apenas 15 dias este ano e outros três queimados em 2018. Tudo caminha, de fato, para causas de origem técnica, mas a sequência de incidentes precisa ser discutida e entendida sob risco de comprometer a segurança dos passageiros. Afinal, estamos falando de ônibus que operam um sistema de transporte urbano, que atende 15 municípios e que leva e trás, todos os dias, 2 milhões de pessoas. Além disso, os episódios levantam dois questionamentos que precisam ser respondidos: as queimas, que não foram incendiárias, podem ser subentendidas como consequência de uma frota velha? E quem vai pagar por esses veículos queimados – o sistema, ou seja, os passageiros, ou será o setor empresarial?
O Blog MoveCidade foi em busca dessas respostas. Em primeiro lugar, a conta não será paga pelo sistema de transporte, ou seja, pelo passageiro. Se não houver uma reposição pelas montadoras – caso se confirme que a causa foi falha técnica –, as operadoras terão que repor. A informação foi repassada pelos empresários e confirmada pelo órgão gestor do sistema de transporte da RMR, o Grande Recife Consórcio de Transporte (GRCT). “Faz parte do risco do negócio”, informou o GRCT por nota.
O passageiro da Região Metropolitana do Recife também não está viajando numa frota de ônibus velha, sob risco iminente de pegar fogo a qualquer momento. Pelo menos é o que garantem os números oficiais informados pelo governo de Pernambuco. Ninguém do GRCT foi disponibilizado para falar, mas o órgão respondeu a um questionamento feito pelo blog, no qual afirma que a idade média da frota de ônibus da RMR é de 4,37 anos – o que estaria dentro da média exigida para o sistema no caso das permissões (operadas sem licitação) e da NBR 15570 de fabricação de veículos, que estipula em no máximo dez anos a idade máxima para circulação de ônibus básicos. A idade média da frota melhorou em 2015, quando chegou a 4,13 anos, mas apesar de ter envelhecido nos anos seguintes, tem se mantido na casa dos quatro anos em 2019. O ônibus mais velho do sistema é de 2009 e o mais novo deste ano, segundo o GRCT.
Dois dos três ônibus que queimaram (um deles parcialmente) entre os dias 14 e 25 deste mês (agosto) – linhas 1992 (Pau Amarelo/Cais de Santa Rita) e 1967 (Igarassu/Dantas Barreto) ainda estavam dentro da garantia de um ano dada pelas montadoras: chassi da Volks Bus (MAN) e carroceria da Marcopolo. Os dois coletivos são da Cidade Alta, empresa que integra, junto com a Itamaracá e a Rodotur, o Consórcio Conorte (opera com contrato de concessão pública). E foram comprados em setembro de 2017 e novembro de 2018. Ou seja, são novos.
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Os outros dois ônibus da CDA que pegaram fogo em maio e julho de 2018 também tinham sido adquiridos no mesmo lote de 2017. Já o veículo da Vera Cruz, que pegou fogo após um curto-circuito na Avenida Conde da Boa Vista, ao lado de uma estação improvisada de BRT, era 2014. “Apesar da crise econômica que impacta no sistema de transporte do País, o Recife tem hoje a frota de ônibus mais nova de todo o Nordeste. Enquanto nossa média é inferior a cinco anos, a de João Pessoa (PB) é 6,38, de Natal (RN) é 8,94, Maceió (AL) é 7.97 e Aracaju (SE) é 7,66. Para citar alguns exemplos. Por isso, estamos falando de veículos novos. A população pode ficar tranquila porque está viajando numa frota conservada e nova”, afirmou o diretor de Operações do Conorte e diretor-executivo da CDA, Almir Buonora.
O problema da queima dos ônibus transcende o aspecto financeiro. É preciso descobrir o que está provocando o fogo, já que nos três ônibus que queimaram nos últimos 15 dias o incidente se deu da mesma forma: o veículo circulava sem problemas, quando o motorista ouviu um estrondo e o motor começou a pegar fogo. Para os operadores, a causa é técnica e está associada a algum erro no processo de montagem. E é fundamental descobrir onde está a falha para evitar novos episódios. Todos os três veículos eram Volks Bus (chassis da VW Caminhões e Ônibus) com carroceria da Marcopolo. Por sorte, o quarto ônibus da CDA que pegou fogo na noite do domingo (25) não queimou completamente. “Foi possível salvar parte do módulo do motor, que é uma espécie de caixa preta e permite investigar o que provocou o incêndio. O problema, com certeza, está no chassi e, por isso, técnicos da Volkswagen estiveram no Recife por dois dias investigando e periciando o veículo. Nós temos total interesse em resolver essa questão e vamos resolvê-la. Todos podem ficar tranquilos”, garantiu o representante da Marcopolo no Recife, Humberto Cavalcanti.
Inicialmente, o JC não conseguiu contato com a VW Caminhões e Ônibus, mas nesta segunda-feira (2/9), a empresa enviou um comunicado discordando do posicionamento da Marcopolo e afirmando que o problema não estaria no chassi. "A VW Caminhões e Ônibus acionou suas áreas técnicas e enviou equipes para análise local das ocorrências e não foram identificados problemas técnicos de produção ou projeto do chassi que pudessem ocasionar o incidente. O caso continua em investigação, o que envolve ainda a análise junto à encarroçadora, o trabalho de manutenção técnica periódica dos veículos e eventuais fatores externos. A empresa segue acompanhando o tema", disse no comunicado oficial.
De tão incomuns, as queimas dos ônibus levantaram suspeitas da sociedade. É tanto que representantes da Frente de Luta pelo Transporte Público de Pernambuco (FLTP) deram entrada na Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado – a quem o GRCT está subordinado – num pedido de informações sobre providências e vistorias feitas nos coletivos que pegaram fogo. Depois de um encontro com o secretário Marcelo Bruto ficou definido que um comissão formada por membros do Conselho Superior de Transporte Metropolitano (CSTM) – órgão máximo nas decisões do sistema de transporte da RMR – irá acompanhar as investigações dos incêndios. “Nos chama atenção por já ser o quarto veículo que pega fogo em menos de um ano. A população não pode ficar refém de uma possível falta de manutenção por parte das empresas. Felizmente, não houve feridos, mas poderia ter tido”, afirmou Pedro Josephi.
O GRCT e o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Pernambuco (Urbana-PE) afirmaram estar aguardando as perícias, garantiram que o prejuízo não terá reflexo na tarifa, que as vistorias são periódicas e que os ônibus têm idades dentro da média exigida pelo setor. Segundo o Grande Recife Consórcio, a renovação da frota anual segue sem contratempos. “De dezembro de 2018 a novembro de 2019 está prevista a renovação de 655 veículos. Até o momento, já foram renovados 434 veículos”, disse o órgão em nota. Em relação às vistorias, 425 são realizadas por mês nas garagens das empresas e em operações especiais nos terminais.