A difícil reação dos metrôs públicos

Publicado em 22/10/2019 às 18:20 | Atualizado em 20/04/2021 às 11:16
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Metrõ do Recife, assim como todos os sistemas da CBTU, não tem receita suficiente para cobrir o custo de operação. A receita tarifária cobre apenas 20% do custo. Fotos: Filipe Jordão/JC Imagem

As concessões públicas do setor metroferroviário não estão virando tendência no País sem razão. A difícil reação econômica-financeira da maioria dos metrôs públicos a alimenta. Foram 11,5 bilhões de subsídios nos últimos dez anos. Essa é a abordagem da última reportagem da série Metrôs – Uma conta que não fecha, publicada pela Rede Nordeste de conteúdo, uma parceria do JC com os jornais O Povo (CE) e Correio (BA).  

Uma conta que não fecha. Esse é o principal diagnóstico dos sistemas metroferroviários públicos geridos pelo governo federal no Brasil. Em dez anos, foram R$ 11,5 bilhões subsidiados na Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), empresa pública que opera os sistemas do Recife (PE), Belo Horizonte (MG), João Pessoa (PB), Natal (RN) e Maceió (AL), e na Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre S.A. (Trensurb), no Rio Grande do Sul. Ao mesmo tempo, em 15 anos apenas cinco quilômetros de linhas metroferroviárias foram implantados nas mesmas empresas. As contas são da Casa Civil da Presidência da República, que já deixou claro não estar mais disposta a pagar por elas. A dificuldade de reação econômica-financeira dos metrôs públicos é o grande problema e estaria cansando a União.

Mas o questionamento a ser feito é: colocar, por dez anos, R$ 11,5 bilhões em sistemas de metrô que atenderam 250 milhões de passageiros em 2018 é muito ou pouco? Para o governo federal, é muito. Por isso, já iniciou o processo de descentralização e concessão do serviço público prestado pela CBTU e Trensurb. Por email, a Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) da Casa Civil da Presidência da República informou que, independentemente dos valores anuais para custeio, foram realizados, desde 2014, investimentos na ordem de R$ 400 milhões na CBTU e de R$ 39 milhões na Trensurb. E que, mesmo assim, não foram suficientes para fazer com que os sistemas conseguissem se sobressair nas cidades onde operam. “Nos últimos 15 anos apenas 5 km de rede foram expandidos na CBTU e Trensurb, enquanto que nas cidades onde a CBTU atua houve expansão de 144 km da malha sobre trilhos: 31 km no Rio de Janeiro, 32 km em São Paulo, 33 km em Salvador e 48 km em Fortaleza. A quantidade de passageiros também está estagnada desde 2008”, diz a União por email.

 

  Para muita gente, entretanto, o poder público deve e precisa continuar investindo no transporte de passageiros sobre trilhos e R$ 11,5 bilhões em dez anos não é muito. Dos R$ 11,5 bilhões de subsídios, R$ 8,5 bilhões foram para a CBTU e R$ 3 bilhões para a Trensurb. Silenciados pelo receio de perseguições e punições, funcionários dos cinco sistemas de metrô da CBTU conversaram com a reportagem sob anonimato. Impossível, no momento atual e com a certeza administrativa de que as concessões à iniciativa privada virão – após a estadualização ou não –, identificar-se para ressaltar a importância do caráter social desses sistemas metroferroviários nas cidades onde operam. São aproximadamente 800 mil passageiros transportados diariamente, a tarifas módicas, que variam entre R$ 2 e R$ 4,25, valores bem abaixo dos cobrados nos sistemas concedidos. E que só cresceram após aumento decidido pela União e escalonado por determinação da Justiça.

“A solução não é você repassar o monopólio de uma operação pública a uma empresa que vai operar um sistema sem qualquer concorrência. E, mesmo assim, continuar colocando dinheiro público. Se os sistemas da CBTU recebessem os mesmos valores que são colocados pelos Estados nos contratos de concessão – valores que são guardados a sete chaves –, a eficiência dos sistemas públicos seria maior”, avalia um servidor de carreira da CBTU em Natal (RN).

 

   

 

“O Metrô Bahia, por exemplo, tem um contrato que paga pela projeção de transporte de 500 mil passageiros/dia, quando na verdade ainda são transportados 370 mil. Ou seja, a concessionária recebe o valor equivalente a 130 mil passageiros sem transportá-los. Além disso, também têm a cobertura de todas as gratuidades, que totalizariam R$ 142 milhões. Sabemos que eles buscam a eficiência cada vez mais para poder obter um lucro maior, mas se os sistemas públicos tivessem essa relação de autonomia, haveria uma maior capacidade de operação e, com certeza, um serviço melhor”, avalia outro servidor da CBTU, agora do Recife. A reportagem não conseguiu obter esses custos de forma oficial com a CCR, grupo que opera o Metrô da Bahia e as Linhas 4 (Amarela) e 5 (Lilás) do Metrô de São Paulo.    

 

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Metrô do Recife
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Na verdade, a principal resistência dos metroferroviários de carreira às concessões públicas é a percepção criada de que apenas a iniciativa privada consegue gerir, com eficiência, os sistemas que eles operam há 20, 30, 50 anos, como é o caso da rede sob trilhos de São Paulo. O sistema paulista, aliás, é usando como referência nos argumentos contrários às privatizações. É uma gestão pública, estadual e eficiente. Transporta 4 milhões de passageiros por dia e 1 bilhão por ano. Consegue, com a receita tarifária e as extra-tarifárias cobrir 100% dos custos. “É um exemplo de que a gestão pública pode, sim, ser eficiente. O Metrô de São Paulo está aí para provar isso”, reforça o mesmo servidor do Metrô do Recife. O grande temor é o aumento no valor das passagens, impactando no passageiro dos metrôs da CBTU, que são, em sua maioria, das classes C, D e E. “A concessão pública funciona bem em metrôs construídos em corredores com grande adensamento urbano e alto poder aquisitivo. A maioria dos sistemas de metrô da CBTU têm um atendimento pendular, ou seja, numa ponta e na outra. Não há alimentação ao logo da linha. No caso da Região Metropolitana do Recife, estamos falando de passageiros que não conseguiriam pagar a tarifa cobrada em São Paulo e no Rio de Janeiro, por exemplo, que está na casa dos R$ 7”, reforça.  

 

  Para referendar esse argumento, os defensores da gestão pública citam os problemas que começam a surgir na operação privada da Linha 5 (Lilás) do Metrô de São Paulo, feita há um ano pelo Grupo CCR (nesse caso, com a ViaMobilidade). Com o prolongamento do ramal até a Chácara Klabin, na Vila Mariana, no centro expandido de São Paulo, houve uma sobrecarga de demanda que tem impactado diretamente na Estação Capão Redondo, atualmente terminal da Linha 5 no sentido Oeste. Para eles, os problemas demonstram que a concessão para a iniciativa privada nem sempre é a solução e que a eficiência dos metrôs não acontece por mágica. Tem relação direta com o planejamento e as características urbanas das cidades. Alegam que a CCR estava numa zona de conforto operando a Linha 4 (Amarela), um ramal inserido em bairros com muitos polos de emprego. E que a Linha 5 é completamente diferente. Tem um carregamento pendular e poucos atrativos ao longo do traçado, o que faz toda a diferença na eficiência do sistema.

   

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